segunda-feira, 1 de outubro de 2012

SOBRE O AMOR E OBEDIÊNCIA

É errado contrapor obediência ao amor. O amor conhece limites, mas transpõe limitações.

A delimitação ou ampliação de limites deve estar a serviço da liberdade com o prestigio da autoridade. Mas há limitações que confunde liberdade com libertinagem, autoridade com autoritarismo e há quem tenta fazer prevalecer seus gostos e preferências, muitas vezes frutos de frustrações causadas exatamente pelas limitações.

Virou moda ouvirmos críticos, ou até mesmo nós nos fazermos de críticos de outrem, nesse sentido, "certas pessoas amam, mas não obedecem"; ou pior "elas dizem que amam, mas não obedecem". “Pessoas só fazem coisas por diversão, aonde está a seriedade?”

Que passemos a pensar que biblicamente o amor precede a obediência. Não só precede, engendra, anima, inspira e produz (resulta) a obediência. A obediência é atitude de quem é livre, doutra sorte não é obediência é submissão.

Jesus, num contexto em que se faziam presentes fariseus, pessoas que "obedeciam", mas não amavam, esclarece a questão quando alto e bom som anuncia "quem tem os meus mandamentos e os obedece, esse é o que me ama”. Muito desconcertantemente simples queria dizer: todos que amam obedecem, mas, nem todos que obedecem amam.

Reparem bem que Ele não diz que aqueles que fingem ou dizem que obedecem ou mesmo obedecem, estritamente, nos mínimos detalhes, à risca, ao pé-da-letra, serão amados pelo Pai e a estes Ele lhes revelaria de forma sobrenatural, pelo Espirito Santo. Não é assim: caso contrário teria que se revelar aos fariseus de forma sobrenatural. Ele apenas ressaltou o fato de que a obediência, algo que começa no, e com, o amor depende além da viva disposição, do ouvir e entender instruções ou palavras de comando.

Nesse contexto, Judas ( não o Iscariotes) pergunta (aqui há um principio elementar e muito caro: quem não sabe, ou tem dúvida, antes de sair zunindo o que não sabe, pergunta a quem sabe...): "Senhor, mas por que te revelarás a nós e não ao mundo?" E Jesus, (este sabe), responde: "Se alguém me ama, guardará a minha palavra” - João 14:21 ss. Então é quem ama que obedece, o amor é o primeiro e indispensável passo da obediência. Pois acima de tudo o amor, além de sentimento, é mandamento "amai-vos uns aos outros como eu vos amei". Este é um fato. Mas tem outro.

Não disse que o verdadeiro amor conhece limites? A gente ao impor limites aos filhos por vezes os contrariamos. Não deixamos que eles façam coisas que venham lhes prejudicar e assim lhes ensinamos o que deve ou o que não deve fazer. Fazemos isso por que os amamos. Quanto aos adultos, se realmente os amamos, por vezes os pegamos fazendo algo para nós errado, os censuramos, e quando possível até os aconselhamos, os esclarecemos...

Mas, já não ocorreu de pensarmos que determinada pessoa está errada, quando nós que o estamos? Já não ocorreu de partirmos apressadamente para as correções e censuras quando nos deparamos com resistências, opiniões arraigadas, convicções quase tão, ou mais firmes quanto as nossas? Já paramos para pensar que às vezes, sem amor, nos propomos a demarcar limites com base em nossas ainda não admitidas limitações para amar?

Limitações, de toda e qualquer ordem, são mais ou menos, grandes ou pequenas, amarras que nos mantém presos no nosso mundo limitado por nossas fraquezas e por potencialidade sufocadas por ideias pré-concebidas, conhecimentos fragmentados, sentimentos mesquinhos, ignorâncias, superstições, vaidades... Quantas vezes tentamos impor limites com base nas nossas limitações para o amplo exercício do amor?

Limites são coisas objetivas inerentes a nós, ou colocadas de fora, impostos e permitidos por Deus para nos conter dentro das amplas "quatro linhas" de Sua vontade. Limitações são coisas estreitas, inconvenientes, mesquinhas, subjetivas e auto-impostas que podem ser quebradas ou ultrapassadas, ou mantidas, tolerados ou respeitadas, mas jamais devem tomadas como padrão para o estabelecimento de limites a serem impostos nos outros. Em suma, limites a gente respeita, já as limitações... O que fazer diante delas?

É um perigo não sabermos de nossas limitações, ou nos ufanarmos ou presumirmos sem limitações, ou que as nossas limitações não são tantas, e sairmos pontificando limites. Sabemos que a base segura de informação, a fonte de conhecimento é a Palavra de Deus, mas quantas vezes estamos tão seguros de uma interpretação até que alguém vem com uma interpretação diferente, o que nos deve reportar a um alerta do texto bíblico precioso de Provérbios 18:17: “o primeiro a apresentar a sua causa parece ter razão, até que outro venha à frente e o questione”.

É por isso que amor e obediência reclamam por liberdade. Tudo isso não parece papo de revolucionário: obediência a partir do amor... agora com liberdade? Isso é possível? Isso é o que Jesus ensina: “Se o filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” e Gálatas 5:1: “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão”.

Parece que precisamos ouvir isso de novo, e de novo, no amor há limites, mas o amor não dever ser limitado pelas limitações humanas. A obediência rima com amor e com liberdade. Quem tem poder liberta, quem não o tem e pensa que pode, limita a liberdade, prende, tiraniza, e no limite nos impõe a ditadura, obriga-nos à cega obediência e obstaculiza o amor sem fingimento. Inspira o temor mas induz a hipocrisia.

Como ilustrar tudo isso? Limite, limitação, liberdade, obediência e amor. Limite e limitação, como diferenciar? Um atleta baixinho cismou de jogar basquete. Chegou cedinho na quadra, bate bola livremente pelas laterais, pelos meios e pelo garrafão. Espaço, tempo e meios, várias bolas, só para ele. Pode fazer o que quiser para encestar quantas bolas quiser: cesta de dois, cesta de três, enterradas... Não havia limite algum imposto. Ele podia lançar a bola de onde quisesse, usar o tempo que fosse necessário e do jeito que melhor entendesse. Mas, pobrezinho, estava cheio de limitações: baixa estatura, pouca força nos braços e má pontaria. Encestou? Não, ficou enrolado. No final do treino viu que mesmo sem imposição de quaisquer limites ele não podia atingir o objetivo do jogo. Ele simplesmente abandonou aquela modalidade esportiva.

O Rio Grande limita os Estados de São Paulo e de Minas. Em um ponto o rio é largo em outro é estreito. Mas na extensão de todo o rio há numerosas pontes que servem aos que visitam as suas “barrancas”, com todos os pontos turísticos e de pescaria. Num destes havia o costume de alguém lançar o seixo de um lado para atingir o outro. Precisa de um bom seixo, um forte braço e apurar uma técnica, pegar o jeito. Era uma brincadeira divertida. Todo mundo que ia para lá tentava o feito de estando num estado lançar o seixo noutro estado. E todos que conseguiam faziam a maior festa e incentivava os outros, “vai, que você consegue”. Todas as vezes que visitava o determinado ponto do rio, aonde ocorria a brincadeira, o rapaz franzino entrava na brincadeira e tentava, mas nunca conseguia. Um dia aborrecido, encontrou outro rapaz franzino que ao invés de lançar seixos, pescava, e falou: “Você não lança seixos, é divertido. Veja todo mundo se diverte lançando seixos, e você?”. O outro rapaz, que pescava, respondeu: “É muito chato lançar seixos...” E os dois foram papeando. Duas horas depois o discurso evoluíra: “É chato lançar seixos. Eu não gosto. Ninguém deveria gostar. Que mau gosto, vir para beirada do rio e ficar lançando seixos de um lado para o outro. Mas esse nem é o problema. Esse péssimo costume traz problemas ecológicos, faz barulho e assusta os animais, remove seixos e pedras da beira do rio e causam erosão. Além disso, é perigoso: alguém pode lançar um seixo grande e acertar a cabeça de alguém. Como é que pode esses egoístas se divertirem com isso?”

Tempos depois, havia no local uma grande placa que dizia: “É expressamente proibido lançar seixo de um para o outro lado do rio. Sujeito às penalidades da Lei”. Essa era a mensagem explicita. Implícita havia a seguinte: goste do quiser, use de sua liberdade para pescar e admirar a paisagem, mas obedeça a Lei: faça somente o que os rapazolas franzinos não acham chato!

Assim é com amor, pessoas que não amam são capazes de achar qualquer explicação, racionalização, por que não conseguem amar, relacionarem bem, ajustarem-se umas às outras. Quais são os problemas: limites impostos e descumpridos, exigências decorrentes destes limites ou limitações de nossa capacidade de amar?

Transpondo isso para a questão doutrinária, vida cristã. A gente sabe que existem divergências. Até quanto as aceitamos? São por causa delas que existem tantas denominações. Nem todos até numa mesma igreja local concordam com tudo. Há todo um capítulo no livro de Romanos, 14, tratando dessa questão.

Há questões difíceis de compreender, e as mais importantes são justamente aquelas que parecem fáceis e claras. Pessoas cometem erros de interpretação e não percebem. Mesmo em não havendo aparentes erros de interpretação há divergência decorrentes do conhecimento limitado de alguém em contraposição a uma compreensão mais critica, mais profunda, com consultas até aos originais da Bíblia, de outra.  Mas será que ainda assim justifica o direito de, nestes casos, ter certeza absoluta sempre? Agostinho, há mais de 1500 anos, ante um ponto muito polêmico comentou que “neste ponto deve haver erro do copista, ou uma tradução mal feita do original, ou sou eu mesmo que não consigo compreender...”

Por que então pessoas abusam do principio da autoridade. Mal disfarçam a tentativa de cercear a liberdade. O sábio jamais é autoritário.

Creio que um bom início de diálogo deveria começar não com o julgamento com sentença de condenação pronta, mas com a admissão de que “não estou conseguindo compreender dessa forma, como você compreende”. A resposta deve ser natural. Isso acontece. E porque? Deve haver bons motivos para se compreender de uma, e não de outra, forma, mas há uma carrada de outras boas razões para obedecer ao mandamento do amor, concedendo a liberdade de pensar aos filhos de Deus com a maior tolerância possível.

Boas maneira também decorrem do amor... Mas isso é mais coia dentro desse mesmo papo... Vai longe.