sexta-feira, 3 de julho de 2009

NOSSA IDENTIDADE - O QUE É SER REFORMADO? - PARTE 6



Juntando tudo



Pontuaram-se antes as três ênfases - doutrinalista, pietista e transformationalista – que freqüentemente são vistas como abordagens ou mentalidades. É importante observar que uma vida e uma teologia cristãs bem-equilibradas necessitam que todas as três ênfases sejam integradas. A ênfase doutrinalista por tender conduzir à
exclusividade e à inação. A ênfase pietista por tender conduzir ao individualismo e ao não-discernimento de umas dimensões mais amplas do cristianismo. A ênfase transformacionalista por poder-se conduzir a um inclusivismo exagerado que amacia a antítese entre Cristo e o mal. Cada ênfase, por si, tende para o orgulho e desvalorização descaridosa das outras duas ênfases. Uma chave ao ministério saudável encontra-se em viver com uma visão integrada, inteira da vida cristã.

Finalmente, esta declaração de identidade é descritiva ou prescritiva? A resposta é tanto uma como outra coisa. Esta declaração de identidade deve ser vista como uma descrição da fé reformada no seu melhor estilo, mas também pode ser uma chamada fervente para que se vivam mais inteiramente nesta visão bíblica.

Que Deus possa conceder à Igreja, conforme Paulo orou o “espírito de sabedoria e de revelação no pleno conhecimento dele [Cristo]” (Efésios 1:17).





Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém! (Efésios 3:20-21)

NOSSA IDENTIDADE - O QUE É SER REFORMADO? - PARTE 5


Como relacionamos o Evangelho com mundo:


A ênfase transformacionalista

Nessa ênfase, os reformados referem-se a uma determinada visão do relacionamento do Cristianismo com a cultura, a uma visão de mundo e vida. A questão para os transformacionalistas é: Como os cristãos se relacionam com cultura existente ao seu redor? Mais especificamente, como os cristãos promovem o Senhorio de Cristo na cultura e na sociedade? Como a igreja dirige o Evangelho ao mundo ao seu redor e evita o isolacionismo que tão freqüentemente tem caracterizado a igreja? Seis palavras ou frases ajudam a compreender esta dimensão do ser reformado.

1. Jesus é Senhor (Filipenses 2:11)

Estas palavras, naturalmente, aparecem fortemente na Bíblia. Paulo conclui grande hino em louvor a Cristo, “para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, ... e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fil. 2:11). Uma outra frase bíblica que os reformados para marcar o mesmo ponto é “nosso Deus reina”.

Que formosos são sobre os montes os pés do que anuncia as boas-novas, que faz ouvir a paz, que anuncia coisas boas, que faz ouvir a salvação, que diz a Sião: O teu Deus reina! (Isa. 52:7)

Esta afirmação que Jesus é Senhor assume significado particular no mundo moderno onde somos flagelados pelo dualismo, a devastadora separação entre o sagrado e o profano. A visão secular de mundo, no ar que se respira hoje, pode levar os cristãos a crerem que o mundo está rachado realmente em dois, rachado entre o que sagrado e o que é profano. Aconselha-se aos cristãos a terem seu pequeno Jesus para o seu pequeno mundo sagrado, mas o que se pede aos cristãos é que se aplique Jesus somente a esse mundo pequeno chamado “o sagrado”.

Quando os reformados ouvem tal argumento sagrado/secular, recordam as palavras de Jesus:

“Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mat. 28:18), e o ensino de Paulo que Deus “ressuscitando [a Cristo] dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir, não só no presente século, mas também no vindouro”. (Efésios 1:20-21).

Sob a liderança de Abraham Kuyper (retrato acima), os reformados rejeitam fortemente este dualismo secular/sagrado e declaram que Jesus é Senhor de tudo. Se a passagem mais conhecida do Catecismo de Heidelberg é a Pergunta e a Resposta nº 1 (“Qual é o seu único conforto na vida e na morte? Que eu pertenço... ”), a citação mais conhecida de Abraham Kuyper é, “não há uma polegada quadrada no domínio inteiro de nossa existência humana que Cristo, que é Soberano sobre tudo, não reclame: ‘É minha!’'”

2. Reino (Mateus 6:10)

O conceito de senhorio de Cristo sobre todas as coisas está relacionado intimamente com à ênfase bíblica e reformada sobre o reino de Deus. Jesus disse, o “`o tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo; arrependei-vos, e crede no evangelho'” (Marcos 1:14 - 15). Jesus ensinou muitas parábolas do reino. Jesus ensinou os cristãos a orarem, “venha o teu reino. Seja feita a sua vontade, assim na terra como no céu” (Mateus 6:10).

O reino de Deus é o governo de Deus sobre todas as coisas. Deus é rei. Ele é soberano. Ele reina.

Deus sempre governou, mas seu domínio foi vindicado e estabelecido uma vez e por todas na morte e na ressurreição de Jesus Cristo (Colossenses 1:15-20; Efésios 1:15-23).

O reino é tanto uma realidade presente como futura. É “agora” e “ainda não”. Jesus disse que o reino está à mão; também orou para que o reino viesse.

Em que pese o alto grau de alienação das igrejas reformadas pelo mundo afora, da IPB não se pode dizer que esteja tão marcada pela completa alienação quanto a participação em esforços do reino, ainda que seus esforços particulares tenham deixado muito a desejar.

Como fruto deste conceito do reino a IPB poderia desenvolver ou se engajar mais em um sem número de ministérios. A lista abaixo mostra o pouco do que se tem feito:
– Faculdades e escolas de propriedade ou mantidas pela igreja – Mackenzie etc;
- Hospitais filantrópicos – Rio Verde/GO;
– Abrigos ou orfanatos para crianças abandonados inclusive com deficiências físicas e mentais, alguns esparsos;
– Associação de cidadãos em prol da justiça pública – iniciativa pouco incentivada;
– Centros de desenvolvimento comunitários – também muito omitidos;
- Centros de aconselhamento cristão a casais, crentes e descrentes etc.

Os cristãos vivem na esperança de que o reino ainda não é. O olhar dos cristãos para frente não é apenas à derrota, mas ao banimento de Satanás, ao retorno glorioso de Cristo, e a um novo céu e uma nova terra onde não haja não mais choro ou destruição ou morte e onde, no nome de Jesus, todo joelho se curvará e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor.

Intimamente relacionado à ênfase acima, o reino como compromisso com a busca da justiça na sociedade. Muitas passagens das Escrituras conclamam os cristãos a buscarem a justiça, mas nenhuma é mais eloqüente do que a chamada de Miquéias a Israel:

Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus.(Mic. 6:8)

Por conseqüência à ênfase sobre o senhorio de Cristo e o reino de Deus que os reformados podem ser fortes promovedores de uma participação mais ampla na sociedade. E justiça é o que geralmente buscam os cristãos quando trabalham nestas áreas mais amplas. Os teólogos e filósofos falam sobre o relacionamento entre o amor e a justiça. Geralmente falando, os cristãos interpretam a chamada de Deus para amar como se aplica aos relacionamentos pessoais que os cristãos tem as pessoas dentro das comunidades em que vivem; enquanto que a justiça é algo que os cristãos podem procurar para todos os povos em toda parte. Alguns exemplos de busca da justiça são:
- Lutando contra leis ou práticas que causam a discriminação racial ou iniqüidades econômicas.
- Promoção de um apropriado equilíbrio entre punição, reabilitação e restauração no sistema judiciário penal.
- Promoção de políticas que aliviam o sofrimento, a pobreza, e a fome humanos e que dão esperança e oportunidade aos membros mais fracos da sociedade.

Uma advertência importante está colocada aqui. A justiça bíblica e a idéia de justiça como é usada no discurso político têm freqüentemente seguido diapasões bem diferentes. A justiça na sociedade em geral tende a focalizar direitos pessoais, o que alguém assim o entende, o que é devido a um indivíduo; no entanto a justiça na Bíblia, apesar de incluir certamente interesse aos direitos pessoais enraizados no status exaltado da pessoa humana como portador da imagem de Deus, exalta as noções do justiça, obediência à lei de Deus, a restauração dos relacionamentos, e correção de erros que conduzem à justiça e à paz. A justiça na Bíblia está ligada completamente com o reino de Deus e da nova ordem de justiça e paz de Deus.

3. Palavra e Obras (Tiago 2:14-17)

Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é o proveito disso? Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta. (Tiago 2:14-17).

Assim como uma compreensão bíblica da vida Cristã conduz rapidamente à igreja, assim uma compreensão bíblica da igreja conduz rapidamente à natureza da missão: palavra-e-ação da igreja. A missão da igreja tem um componente de palavra (proclamação); tem também um componente de obras (ação).
- A igreja proclama que Jesus é Senhor e conduz os ouvintes no bem-estar público.
- A igreja chama as pessoas à fé em Jesus Cristo e ajuda na restauração de refugiados..
- A igreja constrói o corpo dos crentes e promove a justiça na sociedade.
- A igreja tem presbíteros e diáconos.
A palavra e a ação seguem juntas na vida cristã e no ministério da igreja. A igreja não pode dividir o ministério da palavra e da ação, e certamente não pode escolher entre elas.

4. O Mandato Cultural (Genesis 1:27-28)

O mandato cultural é um termo que se ouve freqüentemente nos círculos kuyperianos, nos círculos reformados. O mandato cultural se refere especificamente a Genesis 1:27 - 28:

Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.

Este é um mandato, uma descrição de trabalho que Deus deu a Adão e a Eva no começo do mundo no Jardim de Éden. Deus deu a Adão e Eva uma posição de domínio sobre toda a terra, uma posição que incluía o poder nomear, que, de maneira significativa, é o poder de criar. Os seres humanos governam o mundo com Deus!

Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus e de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste: (Sl. 8:5-6)

O ponto aqui não é que os seres humanos estão no controle e podem fazer qualquer coisa que querem. O ponto não é que as pessoas podem dominar e explorar. É completamente o oposto. Os seres humanos foram apontados como encarregados; responsáveis por fazer muito mais do que Deus tem feito neste grande mundo. Os seres humanos são construtores, arquitetos, criadores!

O mandato cultural acompanha uma ênfase forte sobre a criação. Uma das coisas que flui diretamente de uma forte doutrina da criação e do mandato cultural é uma apreciação da ciência. Os cristãos reformado não tem a profunda suspeita da ciência (ou da educação de modo geral, pelo que é) como alguns cristãos tem. Deus revelou-se por meio de dois livros: o livro da Escritura e o livro da natureza. Do último livro, o salmista diz, “os céus proclamam a glória de Deus; e o firmamento as obras de suas mãos”. (Salmo 19:1). A ciência é uma maneira sistemática de “ler” o livro da natureza. Quando o livro da ciência parece opor-se ao livro da Escritura, os cristãos reformado releu e estudam ambos os livros para ver onde está a má leitura. Finalmente, estes dois livros não podem se contradizerem porque Deus é o autor de ambos.

O encargo ambiental é outra forte implicação do mandato cultural e de sua ênfase sobre a criação. “Ao SENHOR pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam.” (Salmo 24:1). Os cristãos são zeladores da terra e do ambiente. Este mundo não é nosso para fazer com ele o que nos apraz. É mundo de Deus, e ele apontou os seres humanos para serem seus encarregados, zeladores, e guardiães.


5. Educação Cristã (Provérbios 9:10)

“O temor do SENHOR é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo é prudência” (Prov. 9:10)

Os reformados compartilham com todos os cristãos uma forte ênfase na educação cristã. Historicamente, a IPB, em particular, enfatiza a importância da educação cristã não somente no lar e na igreja, mas também nas instituições educacionais – ensino fundamental, médio e superior. Porque Cristo é o Senhor de toda a vida, inclusive todas as esferas da aprendizagem, toda a educação deve ser centrada em Deus. Nesta compreensão da integração da fé e da aprendizagem, Deus não deve ser deixado fora da educação em nenhum nível.

O mandato bíblico para a educação cristã, para integrar Cristo em todas os facetas da vida e aprender, talvez pode ser visto mais clara e belamente em Colossenses 1:15 - 17:

Este [Cristo] é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste.

Conseqüentemente, as escolas de Cristã iniciadas por cristãs reformados são construídas sobre uma visão positiva: Aprender está enraizado em Cristo. Ao mesmo tempo, não são opostos à instrução pública. Como cidadãos públicos, os cristãos reformado são tipicamente suportes do sistema de instrução pública local; eles sustentam escolas cristãs e apóiam a cobrança de impostos para o sustento de escolas públicas. Muitas igrejas locais da IPB têm professores e estudantes em escolas cristãs e em escolas públicas.

Embora as escolas cristãs tenham isolado às vezes a comunidade da escola cristã de sua comunidade mais ampla, tal isolamento não é o objetivo e de fato não deve ser oferecida resistência a que haja uma volta ao normal. O mundo todo, e não apenas a igreja, é de Deus; e Deus, em sua graça comum, importa-se com todas as pessoas, mesmo com aquelas que não o conhecem. Os cristãos reformado tem convicções fortes sobre a educação cristocêntrica; têm também um forte interesse no bem estar de toda a pessoa.

6. Vocação Cristã (Efésios 4:1)

“Vivam de uma maneira que esteja de acordo com o que Deus quis quando chamou vocês” (Ef. 4:1 - NTLH). A vida inteira do cristão – não apenas no domingo e na igreja – é de divina vocação, uma resposta à chamada de Deus para seguir a Cristo. Num mundo onde todas as coisas devem pertencer a Cristo, os cristãos oferecem cada parte de seu viver - seu tempo, seu trabalho, seus dotes, sua criatividade, sua riqueza, sua recreação – a Deus como oferta ação de graças e de obediência.

Muitas pessoas que ouvem a palavra calvinista imediatamente pensam acerca “da ética do trabalho calvinista”, uma ética de trabalhar duro, honesto, e de orgulhar-se de um trabalho. É que o trabalho ético está enraizado na convicção calvinista de que todo o ser trabalho humano – chame-se de um emprego, uma carreira, uma vocação, tanto super-poderoso quanto simples, tanto altamente remunerado quanto não remunerado, é uma resposta à chamada de Deus e é parte do mandato de Deus de governar a terra e do comando de Cristo de segui-Lo.

Além de nosso trabalho diário, esta compreensão abrangente de Deus chama nossas vidas a produzir fortes e conscienciosos servidores do reino nos negócios, profissões, trabalho, lides domésticas, militância em organizações civis da sociedade, em organizações voluntárias, educacionais, cientificas, industriais, agricultura, serviço público em geral.. Esta ênfase sobre a vocação cristã é uma das razões pela quais as igrejas reformadas têm especial carinho pelas artes liberais cristãs em cada área educacional, da filosofia a medicina, da biologia aos negócios, é uma resposta à chamada de Deus. Este senso saudável de vocação cristã promove também um senso forte de comissariado – compromisso de usar sàbiamente o tempo, os talentos, os recursos, e a riqueza que Deus nos confiou.

NOSSA IDENTIDADE - O QUE É SER REFORMADO? - PARTE 4



Como experienciamos Deus no nosso viver diário da fé:



A ênfase pietista

É importante apontar mais uma vez que as três abordagens (doutrinalista, pietista e transformacionalista) se sobrepõem. Os cristãos não podem separar o que crêem, do como experimentam Deus em sua caminhada diária de fé, do como relacionam o Evangelho ao mundo. Mesmo assim, estas três abordagens captam ênfases diferentes não somente dentro da IPB, mas também na Igreja Cristã vista mais amplamente.

1. Relacionamento pessoal com Jesus. (Romanos 8:38-39)

Enquanto vivem os reformados são constantemente instados a se perguntarem “qual o seu fim supremo e principal?” e a responderem “O meu fim supremo e principal é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre!” – a primeira pergunta do Catecismo Menor de Westminster. Já em seus leitos de morte, seus pastores freqüentemente usam a primeira pergunta, e resposta, do Catecismo de Heidelberg para lembrá-los da essência de sua fé: “Qual é o seu único conforto na vida e na morte? Que eu não pertenço a mim mesmo, mas de corpo e alma, na vida e na morte, pertenço a meu fiel Salvador Jesus Cristo.”

A essência de nossa fé é o nosso relacionamento pessoal com Jesus Cristo. Conforme Paulo diz em Romanos 8,

Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor. . (vv. 8:38-39)

Às vezes, a tradição reformada foi mal compreendida por enfatizar demais a “cabeça” - sabendo corretamente a doutrina – e não suficientemente o “coração” – nosso relacionamento pessoal com Cristo. Entretanto, o Catecismo de Heidelberg, os padrão confessional mais usado e mais amado na IPB, é cheio de referências a um relacionamento pessoal com Jesus Cristo, e é uma declaração profundamente pastoral e pessoal da fé. Entretanto, mais importante do que a reivindicação do catecismo, a fé cristã, em seu cerne, é a história de Deus que restaura os pecadores para um correto relacionamento com Ele através de Cristo.

Nem todos os cristãos e tradições de fé estão abertos e prontos para falar sobre seu relacionamento com Cristo desta maneira. De fato, como foi apontado na breve explanação da abordagem pietista, igrejas cristãs reformadas, na Europa, tem rompido com as igrejas do Estado quando estas se tornam muito liberal e embaraçam o que se convenciona chamar de “falar ao coração”. O mesmo fenômeno ocorre em relação a igrejas tradicionais nos EUA, Canadá etc. Muitas igrejas, de fato, hoje também relutam em chamar as pessoas para este encontro mais pessoal com Jesus Cristo. Enquanto os reformados vêem sempre a obra de Cristo a abranger mais do que o relacionamento pessoal do crente com Jesus Cristo, nunca o vêem como menos do que esta união pessoal com Cristo. Os reformados têm preocupação com a tendência do evangelicalismo de, às vezes, falar sobre de um relacionamento com Jesus de uma maneira que indevidamente estreita o espaço da vida cristã. A vida cristã é mais do que as minhas afeições internas, meus sentimentos sobre e para com Cristo.

O estado interior do crente pode, mas não necessariamente, ser o melhor ponto de referência para a obediência cristã. Especialmente em uma era terapêutica, dominada pela questão da felicidade e a auto-realização internas, os reformados são corretamente preocupados com o dizer “relacionamento pessoal com Jesus Cristo” para não compreender outras maneiras igualmente importantes e freqüentemente mais detalhadas de compreender e representar a vida cristã.

2. O Espírito Santo (Romanos 8:1-17)

O Espírito Santo é uma das três pessoas da Trindade Santa de Deus. Os cristãos bíblicos procuram uma apreciação apropriada e equilibrada para a obra de todas as três pessoas da Divindade. Além disso, os cristãos não somente enfatizam o trabalho de cada pessoa da trindade - Deus Pai na criação, o Filho na redenção, e o Espírito Santo na santificação – ressaltam também a unidade e a comunhão da vida divina e da maneira que as Escrituras revelam a Deus como a comunidade divina do Pai, do Filho, e do Espírito Santo. Certamente, na vida e na verdadeira comunhão com o próprio Deus, os cristãos vêem modelado a comunhão e o amor que se doam para os que foram criados e redimidos.

Dentro dessa comunhão trinitária, o Espírito Santo é mais santificador do povo de Deus e da vida e testemunho da Igreja. A obra do Espírito Santo é todo abrangente. O Espírito Santo é o doador da vida espiritual; é quem renova os crentes para serem como Cristo; é quem dá ao crente o seu fruto – amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio; e é quem concede dons a igreja para capacitá-la para o ministério. João Calvino e o Catecismo de Heidelberg oferecem uma teologia rica e vibrante do Espírito Santo. (Um teólogo século XIX referia-se a João Calvino como “o teólogo do Espírito Santo”). As confissões reformadas enfatizam especialmente essas obras do Espírito Santo:
- O Espírito Santo dá ao crente a fé salvadora e a nova vida espiritual.
- O Espírito Santo dá ao crente a segurança da vida eterna.
- O Espírito Santo renova o crente para ser como Cristo (a obra da santificação).
- Pela Palavra de Deus e pelo Espírito (uma combinação importante para os reformados), Cristo reúne a sua igreja. O Espírito Santo a edifica.
- O Espírito Santo está ativo nos Sacramentos, unindo-nos ao corpo e ao sangue de Cristo, lavando-nos de nossos pecados pelo sangue de Cristo, tornando efetiva a presença real de Cristo no batismo e na comunhão. Certamente, a adoração cristã somente é possível por causa da vida e obra do Espírito Santo na igreja.

Há quem muito freqüentemente associa o Espírito Santo com tipos particulares de piedade ou de dons extraordinários do Espírito Santo (curas, línguas, profecia). O ensino acerca do Espírito Santo acima apresentado demonstra claramente que a obra do Espírito Santo é detalhada, abrange cada aspecto da vida dos crentes, do ministério da igreja, e do propósito redentivo de Deus.

É importante dizer neste momento uma palavra sobre o papel da oração na vida cristã e na igreja. De acordo com o Catecismo de Heidelberg, a oração é a parte principal da gratidão, que Deus requer de nós. Os cristãos oram para pedir e agradecer a Deus os dons de sua graça e do Espírito Santo (Perg. e Resp. 116). O Espírito Santo é tanto o sujeito quanto o objeto da oração cristã. O Espírito Santo capacita os cristãos a orar e é o dom que vem aos que oram. Uma compreensão rica e vívida do Espírito Santo será acompanhada por uma compreensão e prática ricas e vívidas de oração.

Finalmente, um envolvimento rico e vívido com o Espírito Santo é visivelmente inseparável da adoração cristã. Adoração como envolvimento de Deus e de seu povo é, do começo ao fim, revestido pelo Espírito Santo. O Espírito Santo é central na compreensão reformada da presença real de Cristo nos Sacramentos e na pregação como encontro com Deus, através de seu Espírito. Adoração e renovação, onde quer que ocorre, é obra do Espírito Santo.

3. Gratidão (Colossenses 3:15-17)

Uma pergunta muito importante relacionada á vida cristã é: O que motiva o crente? Qual a disposição enraizada que reveste tudo em termos de vida cristã? A resposta da Bíblia, e a ênfase reformada, é gratidão – não é culpa, medo, obrigação da lei, mas gratidão. Toda a vida cristão é ação na direção de uma resposta: Obrigado!

Em Colossenses 3, aonde Paulo apresenta os princípios de nossa vida nova em Cristo, menciona três vezes ação de graças:

Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração, à qual, também, fostes chamados em um só corpo; e sede agradecidos. Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai. (vv. 15-17, itálicos acrescidos)

É irônico que crentes que enfatizem a gratidão como fonte energizante de toda a disposição e ação cristãs possam ainda sejam seduzidos pelo legalismo – conformidade externa com o que pode ou o que não pode fazer – pois o legalismo desliga os crentes de Cristo. O legalismo leva à pessoa a se preocupar com o que a outra pessoa vê, e não com o que Deus vê. O espírito legalista está longe do espírito grato, longe da essência da ação de graças.

Tal legalismo por vezes contamina a piedade da IPB e deve ser reconhecido pelo que é: uma perversão, uma falha, um pecado a ser confessado, e uma contradição com o ensino bíblico central, a saber, que toda a obediência flui de um coração em que brota a gratidão.

Uma das características mais significativas do Catecismo de Heidelberg é a colocação de seu ensino sobre os Dez Mandamentos. Das três seções do Catecismo - Nossa Culpa, Graça de Deus, Nossa Gratidão – os Dez Mandamentos são colocados na seção da gratidão. Os cristãos não obedecem a Deus a fim de serem libertos de sua culpa ou a fim ganhar sua salvação. Obedecem porque Deus removeu suas culpas e lhes deu o livre dom da salvação. A obediência é a maneira do cristão se dizer grato pelo dom da salvação, não é a maneira de ganhar a salvação.

Vincular a obediência à gratidão não significa que a obediência é menos importante, e que o cristão deve somente obedecer a Deus nos dias em que se sente especialmente grato. O dever, a disciplina, a chamada, e a obrigação são ainda marcas importantes da piedade cristã. Mas a culpa, o medo, e o moralismo têm valor limitado como motivadores para a vida cristã. Toda a obediência finalmente deve fluir das veias mais profundas da gratidão, do coração agradecido.

4. A Igreja (Efésios 4:1-16)

Quando os reformados falam de vida cristã, bem rapidamente começam a falar de igreja. Os reformados defendem fortemente a idéia de que pertencer a Cristo é pertencer àqueles que pertencem a Cristo. Muitos cristãos têm noção falsa de que pode ser um cristão mas não ter nenhuma conexão à igreja, ao corpo de Cristo. Uma tendência que tem sido muito notada na cristandade norte-americana é a de reduzir indevidamente o espaço da vida cristã a um relacionamento pessoal com Jesus, e às afeições e sentimentos internos. Trata-se de um foco tão estreito que o torna demasiadamente interno e subjetivo, e freqüentemente desconectado da igreja. Quando um relacionamento pessoal com Jesus Cristo e a presença interna Espírito Santo for uma parte importante da experiência cristã, esse relacionamento com Cristo e o Espírito é encarnado na igreja, comunidade da aliança dos crentes, o filhos de Deus que Ele reuniu se reunindo.

A igreja como corpo de Cristo é estratégico no grande programa missionário de Deus. Ao invés da igreja existir para si e em si, ela para proclamar o Evangelho às nações e chamar os povos à fé e ao discipulado. Pedro vincula claramente a identidade da igreja com sua finalidade:

Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. (1 Pedro 2:9)

Quando as igrejas vivem menos para a sua própria segurança institucional e dão mais de si mesmo em prol da fé e obediência à missão de Deus, experimentam a bênção de Deus. O ensinamento de Jesus de que “quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á” (Mateus 16:25) aplica-se à igreja tanto quanto a indivíduos.

Igrejas que perdem suas vidas por causa de Cristo e se dedicam ao propósito missionário de Deus ao fim tem achado suas vidas. É também importante compreender que a igreja em que os crentes são conectados organicamente é uma igreja mundializada em toda sua história e diversidade. Estar em Cristo deve representar reconciliação um com o outro como uma comunidade inter racial e inter étnica de Deus. A justiça e a obra de reconciliação não são simplesmente uma opção para as igrejas escolhem perseguir, ele são uma marca fundamental da igreja como comunidade nova de Deus.

Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos {ambos: judeus e gentios} fez um; e, tendo derribado a parede da separação que estava no meio, a inimizade, aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade. E, vindo, evangelizou paz a vós outros que estáveis longe e paz também aos que estavam perto; porque, por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito. (Efésios 2:14-18)

Os cristãos brasileiros tendem hoje a minimizar a importância de sua identificação com a igreja mundial. “Quem se importa com a igreja da história ou com a igreja mundializada?” Mas a igreja não foi inventada nos anos de 1980 no interior do Paraná ou no Século XIX, no Rio de Janeiro. A igreja deve se lembrar de sua profunda solidariedade com a igreja de todos os tempos e lugares. Um corretivo tão necessário ao individualismo extremado de nossa época é os cristãos verem o projeto de santificação pessoal menos como um projeto interno, individual, e mais como uma viagem em busca da conexão às práticas e hábitos universais comuns aos cristãos de toda a parte e durante toda a história. Tal solidariedade com a igreja e a apreciação universal da tradição não inibe a mudança e a inovação na igreja. Um princípio reformado chave é que “a igreja reformada está sempre reformando”. A própria Reforma foi uma reforma e renovação radicais da igreja, e assim, a igreja vem de lá pra cá sempre se reformando, e renovando-se, morrendo e levantando-se. A igreja como um organismo vivo, conectado vitalmente a Cristo como ramo da videira é, por definição, sempre crescendo e sempre mudando.

5. Palavra e Sacramentoo (Romanos 10:14-15; Mateus 28:16-20; e 1 Coríntios 11:23-26)

A adoração pública é uma das principais maneiras pelas quais os cristãos nutrem sua fé e seus relacionamentos com Deus. Para os reformados, o cerne da adoração cristã é a pregação da palavra e a celebração dos Sacramentos. É significativo que os ministros na IPB são ordenados ao ministério da Palavra e dos Sacramentos.

Os reformados têm em alta conta a pregação. A pregação não é somente uma palestra em que o pregador fala sobre Deus; é um encontro encarregado pelo Espírito com Deus em que o pregador, na leitura da Escritura e em na pregação, proclama-se a Palavra de Deus. Os reformados falam realmente do sermão como Palavra de Deus para ressaltar o significado revelacional da pregação no contexto do culto público. Nesta conexão, é significativo que no culto reformado o Espírito Santo é tradicionalmente invocado não somente no contexto dos Sacramentos mas também no contexto da leitura e da pregação da Palavra (a oração pela iluminação).

Assim como a renovação do interesse pela adoração ocorre ao redor do mundo e dentro da IPB, há também um interesse renovado pelos Sacramentos, a comunhão e o batismo. É importante notar duas ênfases particulares de reformados quando vem aos Sacramentos. Primeiramente, os reformados procuram reconhecer e comemorar todos os temas bíblicos associados a cada Sacramento. Assim como um diamante tem muitos lados e ângulos diferentes a serem vistos, cada Sacramento é visto na Escritura de muitos ângulos diferentes.

Por exemplo, o batismo esta ligado à discipulado (Mateus. 29:19), ao dom da salvação (Marcos 16:16), a recepção do Espírito Santo (Lucas 3:16; Atos 8:16; 10:44 - 47), novo nascimento (João 3:3), perdão e lavagem (Atos 2:38; 22:12), morte e ressurreição com Cristo (Romanos 6:4; Colossenses 2:8), incorporação à igreja (1 Cor. 12:13), as novas vestes em Cristo (Gálatas 3:27), e a unidade do corpo (Efésios 4:5).

A Ceia do Senhor está ligada também a muitos temas da Escritura, tais como a renovação da aliança (Ex. 24:8), ações de graças, perdão, esperança escatológica da festa no céu (Mateus 26:26 - 29), remissão (Marcos 4:12), nutrição espiritual (João 6:35), memorial (1 Cor. 11:24), e proclamação (1 Cor. 11:26). A tradição reformada busca reconhecer e comemorar todas essas dimensões bíblicas dos Sacramentos.

Uma segunda ênfase reformada com respeito aos Sacramentos é o lugar que se reconhece à atuação de Deus. Cada sacramento envolve ação de Deus e a nossa ação. Mas os reformados enfatizam a ação de Deus em ambos os Sacramentos: a maneira pela qual Deus, em sua graça, promete, proclama, nutre, sustenta, conforta, desafia, ensina, e assegura. Por outro lado, os Sacramentos são mais do que apenas um exercício à parte do cultuador. São celebrações pelas quais, com o poder do Espírito Santo, Deus está presente entre nós e ativamente nutre a nossa fé e nos atrai para mais perto dele. São os meios pelos quais Deus vem a nós realmente em graça.

As pessoas ao redor do mundo estão hoje com fome de mistério e de transcendência, espalham muitas novas formas de espiritualidade. Até mesmo muitos cristãos anseiam por despertamento e transcendência no culto; anseiam ver o poder de Deus no culto e experimentar sua presença divina de modo real e poderoso Em tal mundo, os reformados têm em sua própria tradição de adoração uma ênfase sobre a palavra e os Sacramentos que destaca o grande compromisso entre Deus e o seu povo que ocorre na adoração cristã no poder do Espírito Santo.

NOSSA IDENTIDADE - O QUE É SER REFORMADO? - PARTE 3




O que cremos:

A ênfase doutrinarista

1. Escritura (2 Timóteo 3:16)

Os reformados têm uma alta visão acerca da Escritura. Crêem que a Bíblia é a palavra de Deus inspirada, infalível e autoritativa. Duas passagens da Escritura iluminam a natureza e a autoridade da Escritura:

Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.. (2 Tim. 3:16-17)

Sabendo, primeiramente, isto; que nenhuma profecia da Escritura provém de particular elucidação, porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo (II Pedro 1:20 - 21)

Inspirada, infalível e autoritativa são três palavras que os reformados freqüentemente utilizam para explicar sua visão da Escritura. Inspirada tem em vista a fonte da Escritura: Deus mesmo que fala por seu Espírito Santo através dos autores humanos. Infalível significa que a Escritura é verdadeira e absolutamente sem falhas em matéria de fé e prática. A Bíblia é verdadeira e fidedigna em tudo o que pretende ensinar. Autoritativa se refere à reivindicação da Palavra de Deus para que os crentes vivam a vida de verdadeiros servos debaixo do domínio de Deus, e por isso chamados para obedecer a Palavra de Deus.

Durante a Reforma, os reformados afirmaram Sola Scriptura (Somente a Escritura) para distinguir-se da Igreja Católica Romana, que afirmavam que a Escritura, a tradição (os ensinos da igreja), e os pronunciamentos oficiais da igreja estavam tudo no mesmo nível de igualdade em termos de autoridade. A isso os reformadores responderam que somente a Escritura é nossa autoridade para a fé e a vida.

Hoje a ameaça mais forte a essa visão elevada da Escritura não é dos que querem elevar os ensinos da Igreja a um nível de autoridade igual a da Escritura. Mas, é dos que querem rebaixar a Escritura, dizendo que não é Palavra de Deus em tudo, não é de Deus o que não for historicamente exato, e coisas como a ressurreição são mitos piedosos, e que não é de fato autoritativa para nossas vidas. Os cristãos reformados resistem firme a tudo o que ao olhar moderno e a mente iluminista possam considerar tolice, crêem que este livro é o meio pelo qual Deus do universo se comunicou com os seres humanos, os portadores de sua imagem. Acreditam que este livro é a Palavra de Deus.

Outra ameaça à elava visão da Escritura nos dias de hoje é o que pode ser chamado de visão da revelação de Deus como ainda não acabada. Muitos cristãos testificam Deus se lhes auto-revelam pessoalmente, interna, e excepcionalmente. Enquanto os reformados jungem inteiramente a obra do Espírito Santo com a Palavra, insistindo portanto que o Espírito e a Palavra trabalham juntos. Conforme Henry Stob, antigo professor do Seminário Calvino nos EUA, indicou sucintamente, “o Espírito sempre cavalga na garupa da Escritura”. Ou como o celebre Bernardo de Clairvaux disse, “A Escritura é a adega do vinho do Espírito Santo”.

Finalmente, uma palavra sobre a mensagem da Bíblia. É possível aos cristãos ficarem tão absorvidos em debates acerca da natureza e autoridade do Bíblia que perdem a sua mensagem positiva. A Bíblia não é antes de tudo um jogo de problemas a resolver; é uma história dramática de salvação do mundo por Deus. O ator principal nessa história é Jesus Cristo. O clímax dessa história é sua morte e ressurreição. Tudo isso e mais é o que a igreja tem em mente quando diz que é a essência da Bíblia é a “revelação redentiva”.

2. Criação, queda e redenção (Colossenses 1:15-20)

Criação/queda/redenção é uma forma basicamente reformada de organizar e de compreender a Bíblia e sua mensagem, e de compreender a história. Deus criou o mundo; o mundo caiu em pecado; Deus redimiu e redime o mundo através da obra de Cristo, uma redenção que um dia estará completa quando Deus criar novos céus e nova terra.

Os pastores e presbíteros sempre se deleitam quando os mais jovens se apresentam para fazer profissão da fé. No curso da entrevista, ao jovem é geralmente se pergunta, “o que significa ser cristão?” Os pastores e as presbíteros ficam satisfeitos com toda a resposta que inclui uma clara referência a Jesus Cristo, o Filho de Deus, e à sua morte e ressurreição para nossa vida eterna. Os pastores e presbíteros reformados ficam duplamente satisfeitos quando um jovem começa assim a resposta a essa pergunta,

“Bem, os cristãos crêem que no principio, Deus criou todas as coisas E então, o mundo caiu em pecado...”. Criação/queda/redenção é a maneira de povo reformado contar a história. É o roteiro da história e da Escritura. Mais serão acrescentados mais tarde sobre a importância da doutrina da criação. Aqui, entretanto, a importância crítica do ensino bíblico de que os seres humanos são portadores da imagem de Deus deve ser anotada.

Disse também Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança: domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todo o réptil que se arrasta sobre a terra. Criou, pois, Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. (Gen. 1:26-27). O ensino bíblico de que os seres humanos são portadores da imagem de Deus é central para o autoconhecimento e o conhecimento de Deus. É por causa da imagem de Deus dos seres humanos é que eles cumprem o mandato divinamente concedido de dominar sobre todas as coisas (V. 26) e vivem em comunhão uns com os outros.

Conforme diz João Calvino no inicio das suas Institutas, os seres humanos começam saber mais sobre si à medida que aprendem mais sobre Deus, e saber mais sobre Deus quando aprendem mais sobre si mesmos. Isso é assim porque os seres humanos, de fato, são portadores da imagem de Deus.

A verdade que os seres humanos são todos portadores da imagem de Deus tem implicações para qualquer posição ética que a igreja assume, inclusive, no que tange ao aborto, sexualidade, casamento, abuso, pena de morte, guerra, raça e deficiência física. Poucas doutrinas bíblicas deixaram marcas tão expressivas no discurso ético da igreja do que a doutrina da criação da humanidade à imagem de Deus. Certamente, nós somos “assombrosamente maravilhosos” (Salmo 139:14).

3. Graça (Efésios 2:8-10)

Graça é favor imerecido de Deus. Graça é amor incondicional e livremente dado por Deus às pessoas que não podem fazer nada para ganhar mas pode somente aceitá-la como um presente. Graça é o amor do pai da parábola do filho prodigo que o moveu a dar boas vindas e aceitar o filho perdido, não pelo que fizera ou não, mas simplesmente porque o pai amou a seu filho incondicionalmente. Graça é a assombrosa verdade de que nada há que façamos que induza a que Deus nos ame por isso mais ou menos. Deus nos ama porque nos ama. Deus nos ama porque é rico em amor.

Historicamente, quando os reformados discorriam sobre a graça enfatizavam que a salvação é um dom de Deus, não uma realização humana. Certamente, como Paulo diz,

Pois pela graça é que sois salvos mediante a fé; e isto não vem de vós, é o dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas.
(Efésios 2:8-10)

Os “cinco pontos do calvinismo” concernem às doutrinas reformadas que underscore a natureza radical da graça de Deus. Tem sido freqüentemente sumarizados pelo acróstico o TULIP (Depravação Total, Eleição (U) Incondicional, Expiação Limitada, Graça Irresistível e Perseverança dos Santos). Este acróstico, TULIP, tem sido por vezes mal interpretado como se focalizassem as falhas humanas. Mas, do fato, sua ênfase central é o graciosidade de Deus, e os ensinos bíblicos que se encontram por trás dela são alguns dentre os ensinos mais ricos de toda Escritura:

- Todo o ser humano e cada parte da sua existência humana estão corrompidos pelo pecado, a humanidade está sem auxilio e sem esperança a menos que seja operante a graça de Deus. Paulo diz, “estando vós mortes em seus pecados e delitos” (Efésios 2:1). Em sua condição decaída, os seres humanos não estão apenas enfraquecidos, doentes ou em desvantagem. Estão mortos, incapazes de fazer qualquer coisa, incapazes de crer, e sem auxilio de Deus.

- Em sua divina misericórdia, Deus escolheu os crentes e os chamou-os para si em amor antes mesmo deles nascerem, certamente, antes mesmo da criação do mundo. “[Deus] nos escolheu nele[Cristo] antes da fundação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis perante ele, e em amor nos predestinou para a adoção de filhos por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito da sua vontade”. (Efésios 1:4-5). Deus não elegeu seus filhos baseadas em seu pré-conhecimento de quem creria mas tão-somente “segundo o beneplácito de sua vontade”.

– A graça salvadora de Deus não é universal, mas particular, dada somente a quem Deus escolheu desde a eternidade.

Porque os que dantes conheceu, também predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele fosse o primogênito entre muitos irmãos; e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou. (Rom. 8:29-30)

- A graça de Deus, não é a decisão humana o fator decisivo na salvação. Os crentes não escolhem a Deus tanto quanto Deus escolhe os crentes. Jesus ensinou que “quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus” (João 3:5) e “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer” (João 6:44). Certamente, a fé é ato e decisão humanos. Mas mesmo esta fé é um dom de Deus.

- Pelo seu poder, Deus sustenta os crentes firmemente em sua mão e não permitirá que qualquer um ou qualquer coisa possa separar dele mesmo. Jesus diz,

“As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão”. (João 10:27-28)

Os crentes são sustentados firmemente pela mão por Deus. Os crentes não estão pendurados em Deus tanto quanto Deus de fato agarra os crentes. Isso foi chamado a segurança eterna do crente; perseverança dos santos. Conforme Paulo diz no fim de Romanos 8,

Quem nos separará do amor de Cristo? ... Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor. (vv. 35-39)

Quando os calvinistas falam sobre de salvação, não encontram palavras para expressar o quanto ela é completamente uma obra de Deus – do começo ao fim, dom de Deus e graça de Deus, o que se expressa pelos termos do hino,
“em nada ponha minha fé
senão na graça de Jesus,
no sacrifício remidor
no sangue do bom redentor!”

4. Aliança (Jeremias 31:31-34)

Aliança é um dos mais ricos conceitos bíblicos usados descrever o relacionamento de Deus com seu povo. Aliança significa parceria, acordo entre partes, o que envolve promessas e obrigações.

É significativo que a Bíblia, particularmente o Antigo Testamento, retrate repetidas vezes Deus como quem se liga a si próprio com o seu povo por meio de promessa, de obrigação, de aliança. Deus não tem que prometer nada. Mas repetidas vezes o faz, a Noé, a Abrão, a Moisés, e a Davi, prometendo amá-los e estar com eles.

A Bíblia inteira é sustentada pelas grandes alianças que Deus fez com todas essas e outras pessoas. Além disso, a Bíblia é unificada em torno da aliança da graça. Uma das razões pela qual se tende a ouvir mais pregação sobre o Antigo Testamento nas igrejas reformadas do que em muitas outras igrejas é que os pregadores reformados não colocam o Antigo Testamento contra o Novo Testamento. Ao invés disso, vêem ambos os testamentos, o Antigo e o Novo, revelando apenas uma aliança da graça - que começa com a promessa de Deus a Adão e a Eva de que esmagaria a cabeça da serpente e termina na nova cidade de Deus descrita em Apocalipse 22.

O conceito de aliança – o próprio Deus ligando-se com seu provo com base em promessa e compromisso – é um rico conceito para a compreensão da obra salvadora de Deus nos dias de hoje. No louvor, Deus nos renova as suas promessas de aliança, e nós renovamos nossos votos de aliança a Deus. Na pregação declara-se e oferece as promessas da aliança de Deus. A Ceia do Senhor é um sinal da nova aliança de Deus. No batismo, Deus promete ser fiel a nossos filhos. Os membros da igreja fazem promessas a Deus e a uns aos outros.

Juntas essas promessas dão forma a uma corrente de compromissos, de mútua conexão a qual conhecemos como Corpo de Cristo, que é a Igreja. A membresia na Igreja é muito importante porque quando alguém se junta à ela, não é somente um nome que está sendo incluído no rol de membros de uma organização, mas há uma participação na aliança com Deus e com os outros crentes. De acordo cm esta compreensão aliancista da Igreja, deixar uma congregação por uma outra é uma questão muito séria porque quebra os elos de uma rica corrente de conexões aliançais e dos compromissos feitos em nível de igreja local.

A aliança é uma ênfase importante e estratégica para a igreja nessa cultura individualista que se presencia. Numa época em que a sociedade está tentando desesperadamente se postar frente a moralidade e os caracteres em voga, os cristãos compreendem o papel chave do cumprimento de promessas.

Nossa sociedade necessita de comunidades de promessas. A Igreja precisa de ênfase hoje sobre a aliança em nossa compreensão de Deus e da igreja.

5. Graça Comum (Mateus 5:43-48)

A graça comum de Deus, em distinção da graça salvadora, refere-se à atitude do favor divino que se estende à humanidade em geral; igualmente a crentes e descrentes. A igreja tem observado três evidências distintas da graça comum no mundo. Primeiramente, Deus dá dons naturais aos descrentes tanto quanto aos crentes. Não tem que ser cristão para ser um excelente pianista, advogado ou cientista. Em segundo lugar, Deus retém o pecado em todas as pessoas. Por causa do pecado, os seres humanos não são tão bons como poderiam ser; mas por causa da graça comum, não são tão maus como quaisquer um poderiam ser.

Essa é razão por que alguns descrentes parecem realmente se comportar melhor do que os crentes. as virtudes tais como paciência, coragem e a compaixão nunca perdem totalmente sua ressonância em todo portador da imagem de Deus.

Em terceiro lugar, Deus habilita ais descrentes a realizarem atos positivos de boa civilidade. Deus preserva o sentido básico da justiça cívica que permite as sociedades humanas funcionarem de modo ordeiro. A graça comum impede a sociedade, estragada e distorcida pelo pecado e pelo mal, de desintegrar-se totalmente.

O ensino da graça comum tem muitas implicações em como os cristãos vivem e servem no mundo. A graça comum de Deus é um modelo de graça com a qual os cristãos devam se envolver não apenas dentro da igreja e para com os crentes, mas no mundo e para com todos as pessoas. A graça comum encoraja aos crentes a desenvolverem pontos positivos de contato com descrentes para que vivam no mundo juntos e busquem fins comuns. Os cristãos devem dar atenção não apenas ao que os dividem, mas ao que os une com todos as pessoas. A graça comum é razão de os cristãos poderem apreciar os filmes, livros ou obras de arte produzidos pelos descrentes, vendo os como bons dons de Deus, ver nisso alusões à transcendência ou à graça

A graça comum lembra aos cristãos que o conflito desta era (que Abraham Kuyper chamou de “antítese”) é Deus e Satã, não entre cristãos e não-cristãos. A batalha não é entre dois grupos de pessoas mas entre dois poderes espirituais, que, significativamente, residem e entretece completamente cada pessoa.

O ensinamento da graça comum chama a igreja para ter múltiplos propósitos de ministério que correspondem aos múltiplos propósitos divinos. A despensa de alimentos do diaconato, o ministério de capelania hospitalar, e aconselhamento conjugal pastoral são todas partes da missão de Deus de salvar o mundo, mesmo que os recipientes destes ministérios possam não ser crentes ou jamais se tornarem crentes. O desejo profundo do cristão é que cada pessoa no mundo se curve a Jesus Cristo, ainda que dentro dessa missão abrangente de Deus, os ministros eclesiásticos em múltiplas situações sejam com múltiplas finalidades. Não se subordina o valor de um ministério a outro. Deus é glorificado em muitas coisas diferentes, e todos estes ministérios têm sua integridade e finalidade na missão abrangente de Deus salvar o mundo.

NOSSA IDENTIDADE - O QUE É SER REFORMADO? - PARTE 2 - TRÊS ABORDAGENS DO SER REFORMADO



Três abordagens do ser reformado

Observadores da tradição reformada identificam três principais ênfases ou “mentalidades” reformadas que floresceram no contexto cultural dos EUA, as quais com algumas reservas poderão ser adaptadas para o do Brasil.

A primeira ênfase ou mentalidade é a doutrinalista. Reformado aqui primeiramente se refere à forte adesão a determinadas doutrinas cristas ensinada nas Escrituras e refletidas nos confissões da igreja. A pergunta para os doutrinalistas é: o que cremos? Doutrinalistas apreciam especialmente Louis Berkhof, teólogo reformado cuja Teologia Sistemática é um sumário completo da doutrina reformada. Há outros como Charles Hodge. Modernamente há expoentes dessa visão: RC Sproul Sinclair Ferguson etc. No contexto brasileiro podemos mencionar, Revs Ludegero Morais, Antonio Almeida, Samuel Falcão, Adão Carlos do Nascimento... E muitos outros.

A segunda ênfase ou mentalidade é a pietista. Reformado aqui diz respeito à vida cristã e ao relacionamento pessoal com Deus. A pergunta para os pietistas é: como nós experimentamos Deus em nossa caminhada diária da fé? Os pietistas, num contexto marcado pela influencia européia apreciam especialmente Hendrik de Cook, um pastor que na Holanda promoveu o Afscheiding (Secessão), uma divisão havida em 1834 na igreja holandesa estatal que havia perdido a sua vitalidade teológica e espiritual. Essa visão contempla um critica á visão institucional duma igreja secularizada na prática. Podemos citar em nosso meio as figuras de Caio Fábio (já egresso da IPB), Antonio Elias dentre outros.

A terceira ênfase ou mentalidade é a transformacionalista. Reformado aqui concerne ao relacionamento do cristianismo e a cultura, a uma visão de mundo e vida e de Cristo como cultura de transformação. A pergunta para os transformacionalistas é: como relacionamos o evangelho com o mundo? Os transformacionalistas apreciam especialmente Abraham Kuyper, pastor, erudito, e primeiro-ministro dos Países Baixos que promover o movimento Doleantie (=padecer: segundo cisma) na Holanda nos anos de 1880, um movimento para forçar o desenvolvimento de uma cultura cristã e que impactou muito diretamente a Igreja Cristã Reformada da America do Norte e muito indiretamente e posteriormente a IPB. Quem na IPB,porém, podemos identificar com essa visão? Quem sabe as figuras de Alvaro Reis, Elias Abrão e Guilhermino Cunha?

Obviamente essas três ênfases ou mentalidades são sobrepostas. Nenhuma linha dura e rápida pode ser traçada entre elas. Representam também três abordagens distintas, tanto históricas quanto conceituais, e fornecem a estrutura para apresentação de dezesseis palavras-chaves ou frases que sumarizam o sotaque reformado.

Salienta-se que Brasil, as ênfases doutrinalista e pietista, são mais acentuadas. Pouco ou nada de transformaciolismo tem sido intencionalmente sugerido no contexto reformado brasileiro. A ênfase pietista tem sido misturada com influências pentecostais decorrentes mais de sérias distorções doutrinárias e/ou exacerbamentos litúrgicos.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

NOSSA IDENTIDADE - O QUE É SER REFORMADO? - PARTE 1



Elaboramos este material para ser ministrado nas aulas de escola dominical da Igreja Presbiteriana Central de São Sebastião - DF.

Apresentação

Inspiramo-nos e nos embasamos na Declaração de Identidade da Igreja Cristã Reformada da America do Norte – CRCNA para refletir sobre a nossa identidade reformada enquanto Igreja Presbiteriana do Brasil. Fazemos isso em alusão aos 150 anos de nossa igreja no Brasil, 50 anos dela na nova capital, Brasília, no contexto de uma efeméride ate bem mais importante: os 500 anos do nascimento de João Calvino.

A Declaração de Identidade, nosso ponto de partida para os presentes estudos, decorreu da iniciativa da Junta de Educação Teológica dos seminários daquela denominação de exigir a elaboração de plano de carreira ministerial para que fosse apresentado pelos candidatos a pastor, daí surgiu a necessidade de uma declaração de Identidade denominacional que fosse endossada por eles. Depois essa declaração foi endossada também pelo Sínodo de 2002 da referida Igreja Cristã Reformada e posteriormente foi oferecida às igrejas locais, grupos de estudo, examinadores e membros individuais da CRCNA como recurso para a discussão e, se necessário, o refinamento da identidade “como povo de Deus no tempo presente”.

Preferimos nessa oportunidade refletir sobre quem realmente somos. Trata-se de uma parte importante do conhecimento do lugar que ocupamos na divina comunidade cristã mundial. Compreender quem nós somos hoje também requer a consciência de quem fomos e donde viemos e dos eventos que ajudaram a nos definir como igreja, e dos valores e dos princípios que nos guiaram ao longo do caminho.

Abrindo espaço para outros o fazerem, deixamos de abordar o tão importante quanto esta abordagem os estudo históricos sobre a vida e obra de Calvino, de como a IPB chegou e frutificou no Brasil e em Brasília. Certamente quem o fizer apresentará uma contribuição realmente inestimável.

Conforme salientou o Rev Peter Borgdorff, Diretor Executivo de Ministérios da Igreja Cristã Reformada (Cristã Reformed Church/CRC), com o que concordamos, “uma grande ênfase nos dias de hoje reside na comemoração e no realce de nossa diversidade. Os novos membros que vêm deste contexto de diversidade enriquecem a nossas fileiras denominacionais. Ao mesmo tempo, nossa igreja tem história, tanto cultural quanto teológica, e visão e missão que dão forma à comunidade”. É difícil, se não impossível, compreender hoje a nossa igreja sem saber algo dessa história, algo também de suas bases culturais e para este fim que oferecemos esses estudos.

E por que identidade reformada? É que a nossa igreja, IPB, se diz enraizada no movimento de Reforma do XVI, do ramo denominado calvinista ao que devemos, abaixo do Espírito Santo, a João Calvino e aos seus seguidores. A igreja egressa desse movimento foi formalmente chamada pela primeira vez de reformada, com o reconhecimento de divergência com a luterana, anglicana e, logicamente, com a católica-romana, além dos movimentos anabatistas, em 1571, por ocasião do Sínodo Nacional da Igreja Reformada da França quando se adotou naquele país a Confissão de Fé Gaulesa ou de La Rochele. Desde então a igreja reformada esteve presente ou até foi preponderante em boa parte da Europa Continental.

Na Escócia, a Igreja Reformada foi chamada de Presbiteriana em alusão ao seu sistema de governo, e depois passou a ser chamada simplesmente de Igreja da Escócia. Ocorreu que levas de protestantes da Inglaterra imigraram para os Estados Unidos quando estes ainda eram colônia britânica, na esteira da expedição do navio Mayflower. Dentre estes encontravam-se batistas, congregacionais e, principalmente presbiterianos, ou seja, reformados britânicos, irlandeses e escoceses. Esse grupo formou uma igreja que foi chamada de presbiteriana, e daí ficou uns reformados sendo chamados de reformados e outros de presbiterianos.

Um ponto interessante de discussão passou a ser o seguinte: seguiu os presbiterianos sendo reformados, ou entre estes e aqueles surgiram diferenças? Os que se denominam reformados são de fato reformados? Qual é a importância de ser reformado? Reformado é uma só ou tem vários modos de ser reformado?

De fato, os reformados de modo geral adotam outras confissões de fé da época da Reforma e os presbiterianos adotam a Confissão de Fé de Westminster. Diferenças doutrinárias não existem entre quem sinceramente adotam essa ou aquela Confissão de Fé (e existem muitas, Gaulesa, Escocesa, Helvética etc), há diferença entre os que se afastam dos ensinos das Confissões e por conseqüência das Escrituras e os que continuam com a Escritura e com as doutrinas bíblicas conforme expostas sistematicamente pelas confissões. E por isso formam comunidades verdadeiramente diferentes em seu modo de agir e de pensar.

E a questão é: será a IPB uma igreja reformada? Por herança sim. Na prática, porém, não temos sido de forma generalizada. É irônico constatarmos que, em alguns aspectos, conforme veremos no que constitui o ser reformado, há muitas igrejas co-irmãs nossas até pentecostais que são conscientemente mais reformadas do que algumas que ostentam em sua fachada o nome de presbiteriana. Então, quando há quem sequer são presbiterianos, apesar do nome, como enquadrá-los como presbiterianos e reformados? Verdade é que hoje ser (ou se dizer) presbiteriana não é garantia de ser reformada, sequer presbiteriana!

Em que pese essa confusão, há um anseio enorme por ser reformado. Por aprender a ser reformado. Por colocar em prática o ser reformado. Pois bem, nesse sentido, oferecemos estes estudos, na Escola Dominical da Igreja Presbiteriana Central, em São Sebastião/DF como uma forma de aprendermos o que é e como sermos reformados nos dias de hoje.


Prefácio

O que significa ser reformado? Muitos cristãos, inclusive membros de uma igreja que se diz reformada coma a IPB, podem questionar o valor, e mesmo o cabimento, de tal pergunta. Hoje em dia a ênfase do cristianismo recai mais sobre o que une os cristãos, e não sobre aquilo que os distingue.

De muitas maneiras, o impulso ao foco naquilo que os cristãos têm uns com os outros em comum é perfeitamente correto. Temos gasto tempo e energia demais naquilo que nos divide, em vez de no que nos une com outros cristãos. Jesus, no entanto, orou para que a igreja fosse uma (João 17:27). Paulo corrobora o fato de que o corpo de Cristo é um (1 Cor. 12:12; Efésios 4:4-6). Que declaração de missão e visão que qualquer Igreja poderia querer ou necessitar senão a grande chamada de Paulo a que “cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Efésios 4:13)? Seria difícil acrescentar mais ênfase ao que une os cristãos uns com os outros.

Além disso, o inimigo da igreja cristã nos dias de hoje não são outros cristãos, sejam eles luteranos, metodistas, católicos romanos ou pentecostais. O inimigo número um da igreja é o mortal secularismo que ameaça todos os cristãos e contra quem devem estar juntos na fé e na ação comuns. Certamente, de muitas maneiras, devemos nos juntar com outros cristãos. As igrejas locais trabalham freqüentemente junto com outras igrejas em ações como banco de alimentos e outros programas assistenciais. As agências denominacionais têm freqüentemente ministérios mundiais de colaboração com outras igrejas e organizações religiosas.

É tão-somente nesta perspectiva que nos dispomos a estudar o que nos faz reformados em distinção de outros co-irmãos cristãos e construir a nossa própria declaração de identidade sobre o que isso significa.



O sotaque reformado

Todos os cristãos falam algum tipo de “sotaque”, um particular sotaque teológico. Não existe o que em si seja o puro idioma cristão. Imagine pessoas do Piauí, Minas Gerais e Rio Grande do Sul tentando falar com o mesmo sotaque. Não vai dar certo – não por que essas pessoas desagradam de tal prática, mas por que os seus linguajares naturalmente se moldam às localidades aonde residem. Pessoas que particularmente vivem juntas desenvolvem maneiras particulares de se expressar. A “cultura” é a acumulação destas particularidades, inclusive de experiências compartilhadas, de significados compartilhados, e de maneiras de vida compartilhadas. A particularidade da comunidade humana é realmente parte da diversidade maravilhosa da criação de Deus.

Do mesmo modo, os cristãos, de várias denominações, ainda que trabalhem e adorem juntos, desenvolvem maneiras particulares de expressão. Não existe um discurso cristão inteiramente puro, teologicamente neutro. Aqueles que individualmente tiveram experiências comuns de fé e de vida desenvolveram maneiras particulares de expressar sua fé e de adorar a Deus. Com certeza quando essas diferenças conduzem à oposição e alienação, então saudáveis diferenças se transformam em pecaminosas divisões. Mas de qualquer forma, os cristãos falarão sempre com os seus particulares sotaques teológicos,

Certamente, esta particularidade é também profundamente bíblica. A imagem de Primeira aos Corinthians 12 da igreja como um corpo destaca a unidade da igreja (um corpo) e a diversidade da igreja (as mãos e os pés e os olhos). O ensino deste grande capítulo está claro: A igreja biblicamente saudável tem uma profunda unidade e uma rica diversidade. Certamente, uma das verdades bíblicas profundas é a verdade da unidade e dessa multiplicidade. Deus trino mesmo é um e três.

Não há nada em si pecaminosa ou divisionista quando os reformados ou outros grupos de cristãos tentam compreender e desenvolver seus próprios sotaques teológicos. No caso, tal auto-compreensão, enquanto fortalece as mãos ou pés ou olhos particulares do corpo, fortalecem o corpo inteiro em seu testemunho unido ao mundo.

Algumas pessoas às vezes utilizam o termo reformado ou distintamente reformado como um sotaque teológico falado somente por algumas poucas pessoas, e como se fosse um sotaque que tenha pouco em comum com a ampla igreja cristã. Não há nada que seja tão falso.

O sotaque reformado é muito maior do que a IPB com sua história particular. Prevalece em países ao redor do mundo, tais como Hungria, Coréia, Indonésia, Escócia e Madagascar. O Catecismo de Heidelberg, somente uma de muitas confissões reformadas, foi traduzido para trinta línguas.

Além disso, o cristianismo reformado tem muito em comum com a igreja cristã universal. O cristianismo reformado está fortemente escorado na ampla ortodoxia cristã que remonta à igreja do Novo Testamento. A parte reformada dos cristãos com todos os cristãos restantes compartilham uma fé comum no Deus trino que criou os céus e a terra, cuja segunda pessoa encarnou em Jesus de Nazaré, e cuja terceira pessoa tem revestido a igreja pelo divino Espírito Santo. Os reformados, juntos com os cristãos de todos os tempos e lugares, afirmam o propósito salvífico de Deus de reunir todas as coisas em Jesus Cristo, a missão da igreja de proclamar estas boas novas, e a esperança do retorno de Cristo em gloria para reinar nos novos céus e na nova terra. Os reformados confessam sua fé nas palavras credo dos apóstolos junto com a igreja universal.

Estes estudos simplesmente busca articular alguns dos sotaques particulares da tradição reformada, mas da maneira em que nos seja acessível. No caso, uma expressão mais inclusiva da perspectiva reformada o que não é somente desejável, mas essencial – já que a perspectiva reformada existe para fornecer fontes conducentes à unidade e ao objetivo final para a IPB.


A árvore genealógica
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Um modo de explicar a tradição reformada é situá-la como família de igrejas na árvore genealógica mais ampla da igreja cristã. O quadro seguinte mostra como a igreja cristã se desenvolveu no decorrer dos séculos.

A Igreja Cristã esteve unida até o Século XI, quando a igreja ocidental (a Igreja Católica Romana) separou-se da Oriental (a Igreja Ortodoxa). No Século XVI, novos ventos do Espírito sopraram sobre a Igreja Católica Romana, e a Reforma Protestante teve lugar. Os cristãos re-descobriram a mensagem central da Bíblia de que somos salvos somente pela graça mediante a fé. A partir da Reforma Protestante surgiram quatro ramos principais – Anabatista, Reformado, Luterano e Anglicano. A ordem em que estes quatro ramos são listados da esquerda para a direita é significativa.

Quanto mais para esquerda é o afastamento, mais radical é a ruptura em face da Igreja Católica Romana. Em termos de formalidade na adoração, este quadro se move do mais (lado direito) para o menos formal (lado esquerdo); em relação aos Sacramentos, de mais para menos central na adoração; quanto ao governo da igreja, de mais para menos hierárquico. Nesta família de igrejas centralizadas na Europa, a perspectiva reformada representa freqüentemente um amplo meio termo. Nesse sentido, os reformados procuram se situar na árvore da família protestante, pretendendo pensar em termos de perspectiva reformada como se a IPB se encontrasse num meio termo entre o liberalismo e o fundamentalismo dos dias presentes. Apesar disso, os reformados compartilham com o fundamentalismo de uma fé indiscutível no subrenaturalismo e com o liberalismo de um desejo de que a fé cristã seja culturalmente engajada.

IGREJA CRISTÃ - PRINCIPAIS RAMOS
Século I ao XI Igreja Cristã


Século XI Católico Ocidental Ortodoxo Oriental
Século XVI Protestante Católico Romano Ortodoxo Oriental


Nota: A seguir, quando mais distante à esquerda, mais radical é a ruptura perante a Igreja Católica Romana.


Século XVI Igrejas Protestantes
Século XVI Anabatistas Reformada Luterana Anglicana
Século XVII Quakers Puritanos
Século XVIII Metodistas
Século XVIII Igrejas livres
Século XX Pentecostais




Mas à tradição reformada, da qual a IPB faz parte, não cabe realmente o continuum entre estes dois extremos norte-americanos. A maioria dos reformados distingue-se fortemente do liberalismo, em virtude da sua visão inadequada de inspiração e autoridade da Escritura, seu anti-sobrenaturalismo, e seu descuido em falar acerca do pecado pessoal e da necessidade de arrependimento e fé em Cristo para a salvação. Além disso, os reformados também se distinguem fortemente do fundamentalismo, por causa do seu anti-intelectualismo e da sua suspeição em relação à ciência e educação de que decorre a falta da ênfase sobre a doutrina da criação; sua falta do engajamento cultural; e sua tendência em enfatizar a domínio de Cristo no mundo vindouro e não neste, tendência que emerge a partir de uma compreensão dispensacionalista da história pela qual se entende que o reino de Deus é ainda apenas uma realidade futura.

Tradicionalmente, a perspectiva reformada representou uma terceira via completamente distinta do liberalismo e do fundamentalismo, o que não se define nos termos do atual embate norte-americano. Os reformados são “protestantes confessantes” cuja postura não é primeiramente definida tão polemicamente (em confronto com os liberais ou com os fundamentalistas), mas historicamente por uma tradição teológica que remonta a João Calvino e aos Reformadores e a Santo Agostinho.

Uma maneira útil de localizar o ramo reformado na árvore da família norte-americana está no relacionamento com os evangélicos ou evangelicals. O termo evangélico é usado diferentemente por pessoas diferentes. Quando os luteranos evangélicos usam o termo evangélico, querem se referir a uma teologia ortodoxa e cristocêntrica. Para eles é completamente possível ser parte de uma denominação protestante histórica e ser evangélico e não sentir nenhuma tensão entre ambas as realidades. Outros usam os termos evangélicos e fundamentalistas como sinônimos, o que tem significados completamente diferentes.

O termo evangélico é mais freqüentemente usado pelos que desejam se distinguir do fundamentalismo e freqüentemente por muitas das mesmas razões pelos reformados que desejam se distinguir também do mesmo fundamentalismo.

Sobretudo, freqüentemente mesmo os evangélicos vêem significativa sobreposição nos termos evangélicos e reformados. Instituições tais como Seminário Fuller, Seminário Gordon Conwell, Wheaton College, a Revista Christianity Taday e a Comunidade Cristã Universitária – ABU, no Brasil, e pessoas como John Stott, J.I. Packer e Chuck Colson descrevem-se como evangélicos. O que também não deixa de ser verdade mesmo que não pudessem ser chamados reformados confessionalmente ou denominacionamete, ainda assim se considerariam reformados teologicamente em muito de seus ensinos. Da mesma maneira, muitos reformados identificam-se positivamente (e corretamente) como evangélicos.