sexta-feira, 3 de julho de 2009

NOSSA IDENTIDADE - O QUE É SER REFORMADO? - PARTE 4



Como experienciamos Deus no nosso viver diário da fé:



A ênfase pietista

É importante apontar mais uma vez que as três abordagens (doutrinalista, pietista e transformacionalista) se sobrepõem. Os cristãos não podem separar o que crêem, do como experimentam Deus em sua caminhada diária de fé, do como relacionam o Evangelho ao mundo. Mesmo assim, estas três abordagens captam ênfases diferentes não somente dentro da IPB, mas também na Igreja Cristã vista mais amplamente.

1. Relacionamento pessoal com Jesus. (Romanos 8:38-39)

Enquanto vivem os reformados são constantemente instados a se perguntarem “qual o seu fim supremo e principal?” e a responderem “O meu fim supremo e principal é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre!” – a primeira pergunta do Catecismo Menor de Westminster. Já em seus leitos de morte, seus pastores freqüentemente usam a primeira pergunta, e resposta, do Catecismo de Heidelberg para lembrá-los da essência de sua fé: “Qual é o seu único conforto na vida e na morte? Que eu não pertenço a mim mesmo, mas de corpo e alma, na vida e na morte, pertenço a meu fiel Salvador Jesus Cristo.”

A essência de nossa fé é o nosso relacionamento pessoal com Jesus Cristo. Conforme Paulo diz em Romanos 8,

Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor. . (vv. 8:38-39)

Às vezes, a tradição reformada foi mal compreendida por enfatizar demais a “cabeça” - sabendo corretamente a doutrina – e não suficientemente o “coração” – nosso relacionamento pessoal com Cristo. Entretanto, o Catecismo de Heidelberg, os padrão confessional mais usado e mais amado na IPB, é cheio de referências a um relacionamento pessoal com Jesus Cristo, e é uma declaração profundamente pastoral e pessoal da fé. Entretanto, mais importante do que a reivindicação do catecismo, a fé cristã, em seu cerne, é a história de Deus que restaura os pecadores para um correto relacionamento com Ele através de Cristo.

Nem todos os cristãos e tradições de fé estão abertos e prontos para falar sobre seu relacionamento com Cristo desta maneira. De fato, como foi apontado na breve explanação da abordagem pietista, igrejas cristãs reformadas, na Europa, tem rompido com as igrejas do Estado quando estas se tornam muito liberal e embaraçam o que se convenciona chamar de “falar ao coração”. O mesmo fenômeno ocorre em relação a igrejas tradicionais nos EUA, Canadá etc. Muitas igrejas, de fato, hoje também relutam em chamar as pessoas para este encontro mais pessoal com Jesus Cristo. Enquanto os reformados vêem sempre a obra de Cristo a abranger mais do que o relacionamento pessoal do crente com Jesus Cristo, nunca o vêem como menos do que esta união pessoal com Cristo. Os reformados têm preocupação com a tendência do evangelicalismo de, às vezes, falar sobre de um relacionamento com Jesus de uma maneira que indevidamente estreita o espaço da vida cristã. A vida cristã é mais do que as minhas afeições internas, meus sentimentos sobre e para com Cristo.

O estado interior do crente pode, mas não necessariamente, ser o melhor ponto de referência para a obediência cristã. Especialmente em uma era terapêutica, dominada pela questão da felicidade e a auto-realização internas, os reformados são corretamente preocupados com o dizer “relacionamento pessoal com Jesus Cristo” para não compreender outras maneiras igualmente importantes e freqüentemente mais detalhadas de compreender e representar a vida cristã.

2. O Espírito Santo (Romanos 8:1-17)

O Espírito Santo é uma das três pessoas da Trindade Santa de Deus. Os cristãos bíblicos procuram uma apreciação apropriada e equilibrada para a obra de todas as três pessoas da Divindade. Além disso, os cristãos não somente enfatizam o trabalho de cada pessoa da trindade - Deus Pai na criação, o Filho na redenção, e o Espírito Santo na santificação – ressaltam também a unidade e a comunhão da vida divina e da maneira que as Escrituras revelam a Deus como a comunidade divina do Pai, do Filho, e do Espírito Santo. Certamente, na vida e na verdadeira comunhão com o próprio Deus, os cristãos vêem modelado a comunhão e o amor que se doam para os que foram criados e redimidos.

Dentro dessa comunhão trinitária, o Espírito Santo é mais santificador do povo de Deus e da vida e testemunho da Igreja. A obra do Espírito Santo é todo abrangente. O Espírito Santo é o doador da vida espiritual; é quem renova os crentes para serem como Cristo; é quem dá ao crente o seu fruto – amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio; e é quem concede dons a igreja para capacitá-la para o ministério. João Calvino e o Catecismo de Heidelberg oferecem uma teologia rica e vibrante do Espírito Santo. (Um teólogo século XIX referia-se a João Calvino como “o teólogo do Espírito Santo”). As confissões reformadas enfatizam especialmente essas obras do Espírito Santo:
- O Espírito Santo dá ao crente a fé salvadora e a nova vida espiritual.
- O Espírito Santo dá ao crente a segurança da vida eterna.
- O Espírito Santo renova o crente para ser como Cristo (a obra da santificação).
- Pela Palavra de Deus e pelo Espírito (uma combinação importante para os reformados), Cristo reúne a sua igreja. O Espírito Santo a edifica.
- O Espírito Santo está ativo nos Sacramentos, unindo-nos ao corpo e ao sangue de Cristo, lavando-nos de nossos pecados pelo sangue de Cristo, tornando efetiva a presença real de Cristo no batismo e na comunhão. Certamente, a adoração cristã somente é possível por causa da vida e obra do Espírito Santo na igreja.

Há quem muito freqüentemente associa o Espírito Santo com tipos particulares de piedade ou de dons extraordinários do Espírito Santo (curas, línguas, profecia). O ensino acerca do Espírito Santo acima apresentado demonstra claramente que a obra do Espírito Santo é detalhada, abrange cada aspecto da vida dos crentes, do ministério da igreja, e do propósito redentivo de Deus.

É importante dizer neste momento uma palavra sobre o papel da oração na vida cristã e na igreja. De acordo com o Catecismo de Heidelberg, a oração é a parte principal da gratidão, que Deus requer de nós. Os cristãos oram para pedir e agradecer a Deus os dons de sua graça e do Espírito Santo (Perg. e Resp. 116). O Espírito Santo é tanto o sujeito quanto o objeto da oração cristã. O Espírito Santo capacita os cristãos a orar e é o dom que vem aos que oram. Uma compreensão rica e vívida do Espírito Santo será acompanhada por uma compreensão e prática ricas e vívidas de oração.

Finalmente, um envolvimento rico e vívido com o Espírito Santo é visivelmente inseparável da adoração cristã. Adoração como envolvimento de Deus e de seu povo é, do começo ao fim, revestido pelo Espírito Santo. O Espírito Santo é central na compreensão reformada da presença real de Cristo nos Sacramentos e na pregação como encontro com Deus, através de seu Espírito. Adoração e renovação, onde quer que ocorre, é obra do Espírito Santo.

3. Gratidão (Colossenses 3:15-17)

Uma pergunta muito importante relacionada á vida cristã é: O que motiva o crente? Qual a disposição enraizada que reveste tudo em termos de vida cristã? A resposta da Bíblia, e a ênfase reformada, é gratidão – não é culpa, medo, obrigação da lei, mas gratidão. Toda a vida cristão é ação na direção de uma resposta: Obrigado!

Em Colossenses 3, aonde Paulo apresenta os princípios de nossa vida nova em Cristo, menciona três vezes ação de graças:

Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração, à qual, também, fostes chamados em um só corpo; e sede agradecidos. Habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais, com gratidão, em vosso coração. E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai. (vv. 15-17, itálicos acrescidos)

É irônico que crentes que enfatizem a gratidão como fonte energizante de toda a disposição e ação cristãs possam ainda sejam seduzidos pelo legalismo – conformidade externa com o que pode ou o que não pode fazer – pois o legalismo desliga os crentes de Cristo. O legalismo leva à pessoa a se preocupar com o que a outra pessoa vê, e não com o que Deus vê. O espírito legalista está longe do espírito grato, longe da essência da ação de graças.

Tal legalismo por vezes contamina a piedade da IPB e deve ser reconhecido pelo que é: uma perversão, uma falha, um pecado a ser confessado, e uma contradição com o ensino bíblico central, a saber, que toda a obediência flui de um coração em que brota a gratidão.

Uma das características mais significativas do Catecismo de Heidelberg é a colocação de seu ensino sobre os Dez Mandamentos. Das três seções do Catecismo - Nossa Culpa, Graça de Deus, Nossa Gratidão – os Dez Mandamentos são colocados na seção da gratidão. Os cristãos não obedecem a Deus a fim de serem libertos de sua culpa ou a fim ganhar sua salvação. Obedecem porque Deus removeu suas culpas e lhes deu o livre dom da salvação. A obediência é a maneira do cristão se dizer grato pelo dom da salvação, não é a maneira de ganhar a salvação.

Vincular a obediência à gratidão não significa que a obediência é menos importante, e que o cristão deve somente obedecer a Deus nos dias em que se sente especialmente grato. O dever, a disciplina, a chamada, e a obrigação são ainda marcas importantes da piedade cristã. Mas a culpa, o medo, e o moralismo têm valor limitado como motivadores para a vida cristã. Toda a obediência finalmente deve fluir das veias mais profundas da gratidão, do coração agradecido.

4. A Igreja (Efésios 4:1-16)

Quando os reformados falam de vida cristã, bem rapidamente começam a falar de igreja. Os reformados defendem fortemente a idéia de que pertencer a Cristo é pertencer àqueles que pertencem a Cristo. Muitos cristãos têm noção falsa de que pode ser um cristão mas não ter nenhuma conexão à igreja, ao corpo de Cristo. Uma tendência que tem sido muito notada na cristandade norte-americana é a de reduzir indevidamente o espaço da vida cristã a um relacionamento pessoal com Jesus, e às afeições e sentimentos internos. Trata-se de um foco tão estreito que o torna demasiadamente interno e subjetivo, e freqüentemente desconectado da igreja. Quando um relacionamento pessoal com Jesus Cristo e a presença interna Espírito Santo for uma parte importante da experiência cristã, esse relacionamento com Cristo e o Espírito é encarnado na igreja, comunidade da aliança dos crentes, o filhos de Deus que Ele reuniu se reunindo.

A igreja como corpo de Cristo é estratégico no grande programa missionário de Deus. Ao invés da igreja existir para si e em si, ela para proclamar o Evangelho às nações e chamar os povos à fé e ao discipulado. Pedro vincula claramente a identidade da igreja com sua finalidade:

Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. (1 Pedro 2:9)

Quando as igrejas vivem menos para a sua própria segurança institucional e dão mais de si mesmo em prol da fé e obediência à missão de Deus, experimentam a bênção de Deus. O ensinamento de Jesus de que “quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á” (Mateus 16:25) aplica-se à igreja tanto quanto a indivíduos.

Igrejas que perdem suas vidas por causa de Cristo e se dedicam ao propósito missionário de Deus ao fim tem achado suas vidas. É também importante compreender que a igreja em que os crentes são conectados organicamente é uma igreja mundializada em toda sua história e diversidade. Estar em Cristo deve representar reconciliação um com o outro como uma comunidade inter racial e inter étnica de Deus. A justiça e a obra de reconciliação não são simplesmente uma opção para as igrejas escolhem perseguir, ele são uma marca fundamental da igreja como comunidade nova de Deus.

Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos {ambos: judeus e gentios} fez um; e, tendo derribado a parede da separação que estava no meio, a inimizade, aboliu, na sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças, para que dos dois criasse, em si mesmo, um novo homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz, destruindo por ela a inimizade. E, vindo, evangelizou paz a vós outros que estáveis longe e paz também aos que estavam perto; porque, por ele, ambos temos acesso ao Pai em um Espírito. (Efésios 2:14-18)

Os cristãos brasileiros tendem hoje a minimizar a importância de sua identificação com a igreja mundial. “Quem se importa com a igreja da história ou com a igreja mundializada?” Mas a igreja não foi inventada nos anos de 1980 no interior do Paraná ou no Século XIX, no Rio de Janeiro. A igreja deve se lembrar de sua profunda solidariedade com a igreja de todos os tempos e lugares. Um corretivo tão necessário ao individualismo extremado de nossa época é os cristãos verem o projeto de santificação pessoal menos como um projeto interno, individual, e mais como uma viagem em busca da conexão às práticas e hábitos universais comuns aos cristãos de toda a parte e durante toda a história. Tal solidariedade com a igreja e a apreciação universal da tradição não inibe a mudança e a inovação na igreja. Um princípio reformado chave é que “a igreja reformada está sempre reformando”. A própria Reforma foi uma reforma e renovação radicais da igreja, e assim, a igreja vem de lá pra cá sempre se reformando, e renovando-se, morrendo e levantando-se. A igreja como um organismo vivo, conectado vitalmente a Cristo como ramo da videira é, por definição, sempre crescendo e sempre mudando.

5. Palavra e Sacramentoo (Romanos 10:14-15; Mateus 28:16-20; e 1 Coríntios 11:23-26)

A adoração pública é uma das principais maneiras pelas quais os cristãos nutrem sua fé e seus relacionamentos com Deus. Para os reformados, o cerne da adoração cristã é a pregação da palavra e a celebração dos Sacramentos. É significativo que os ministros na IPB são ordenados ao ministério da Palavra e dos Sacramentos.

Os reformados têm em alta conta a pregação. A pregação não é somente uma palestra em que o pregador fala sobre Deus; é um encontro encarregado pelo Espírito com Deus em que o pregador, na leitura da Escritura e em na pregação, proclama-se a Palavra de Deus. Os reformados falam realmente do sermão como Palavra de Deus para ressaltar o significado revelacional da pregação no contexto do culto público. Nesta conexão, é significativo que no culto reformado o Espírito Santo é tradicionalmente invocado não somente no contexto dos Sacramentos mas também no contexto da leitura e da pregação da Palavra (a oração pela iluminação).

Assim como a renovação do interesse pela adoração ocorre ao redor do mundo e dentro da IPB, há também um interesse renovado pelos Sacramentos, a comunhão e o batismo. É importante notar duas ênfases particulares de reformados quando vem aos Sacramentos. Primeiramente, os reformados procuram reconhecer e comemorar todos os temas bíblicos associados a cada Sacramento. Assim como um diamante tem muitos lados e ângulos diferentes a serem vistos, cada Sacramento é visto na Escritura de muitos ângulos diferentes.

Por exemplo, o batismo esta ligado à discipulado (Mateus. 29:19), ao dom da salvação (Marcos 16:16), a recepção do Espírito Santo (Lucas 3:16; Atos 8:16; 10:44 - 47), novo nascimento (João 3:3), perdão e lavagem (Atos 2:38; 22:12), morte e ressurreição com Cristo (Romanos 6:4; Colossenses 2:8), incorporação à igreja (1 Cor. 12:13), as novas vestes em Cristo (Gálatas 3:27), e a unidade do corpo (Efésios 4:5).

A Ceia do Senhor está ligada também a muitos temas da Escritura, tais como a renovação da aliança (Ex. 24:8), ações de graças, perdão, esperança escatológica da festa no céu (Mateus 26:26 - 29), remissão (Marcos 4:12), nutrição espiritual (João 6:35), memorial (1 Cor. 11:24), e proclamação (1 Cor. 11:26). A tradição reformada busca reconhecer e comemorar todas essas dimensões bíblicas dos Sacramentos.

Uma segunda ênfase reformada com respeito aos Sacramentos é o lugar que se reconhece à atuação de Deus. Cada sacramento envolve ação de Deus e a nossa ação. Mas os reformados enfatizam a ação de Deus em ambos os Sacramentos: a maneira pela qual Deus, em sua graça, promete, proclama, nutre, sustenta, conforta, desafia, ensina, e assegura. Por outro lado, os Sacramentos são mais do que apenas um exercício à parte do cultuador. São celebrações pelas quais, com o poder do Espírito Santo, Deus está presente entre nós e ativamente nutre a nossa fé e nos atrai para mais perto dele. São os meios pelos quais Deus vem a nós realmente em graça.

As pessoas ao redor do mundo estão hoje com fome de mistério e de transcendência, espalham muitas novas formas de espiritualidade. Até mesmo muitos cristãos anseiam por despertamento e transcendência no culto; anseiam ver o poder de Deus no culto e experimentar sua presença divina de modo real e poderoso Em tal mundo, os reformados têm em sua própria tradição de adoração uma ênfase sobre a palavra e os Sacramentos que destaca o grande compromisso entre Deus e o seu povo que ocorre na adoração cristã no poder do Espírito Santo.

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