quinta-feira, 2 de julho de 2009

NOSSA IDENTIDADE - O QUE É SER REFORMADO? - PARTE 1



Elaboramos este material para ser ministrado nas aulas de escola dominical da Igreja Presbiteriana Central de São Sebastião - DF.

Apresentação

Inspiramo-nos e nos embasamos na Declaração de Identidade da Igreja Cristã Reformada da America do Norte – CRCNA para refletir sobre a nossa identidade reformada enquanto Igreja Presbiteriana do Brasil. Fazemos isso em alusão aos 150 anos de nossa igreja no Brasil, 50 anos dela na nova capital, Brasília, no contexto de uma efeméride ate bem mais importante: os 500 anos do nascimento de João Calvino.

A Declaração de Identidade, nosso ponto de partida para os presentes estudos, decorreu da iniciativa da Junta de Educação Teológica dos seminários daquela denominação de exigir a elaboração de plano de carreira ministerial para que fosse apresentado pelos candidatos a pastor, daí surgiu a necessidade de uma declaração de Identidade denominacional que fosse endossada por eles. Depois essa declaração foi endossada também pelo Sínodo de 2002 da referida Igreja Cristã Reformada e posteriormente foi oferecida às igrejas locais, grupos de estudo, examinadores e membros individuais da CRCNA como recurso para a discussão e, se necessário, o refinamento da identidade “como povo de Deus no tempo presente”.

Preferimos nessa oportunidade refletir sobre quem realmente somos. Trata-se de uma parte importante do conhecimento do lugar que ocupamos na divina comunidade cristã mundial. Compreender quem nós somos hoje também requer a consciência de quem fomos e donde viemos e dos eventos que ajudaram a nos definir como igreja, e dos valores e dos princípios que nos guiaram ao longo do caminho.

Abrindo espaço para outros o fazerem, deixamos de abordar o tão importante quanto esta abordagem os estudo históricos sobre a vida e obra de Calvino, de como a IPB chegou e frutificou no Brasil e em Brasília. Certamente quem o fizer apresentará uma contribuição realmente inestimável.

Conforme salientou o Rev Peter Borgdorff, Diretor Executivo de Ministérios da Igreja Cristã Reformada (Cristã Reformed Church/CRC), com o que concordamos, “uma grande ênfase nos dias de hoje reside na comemoração e no realce de nossa diversidade. Os novos membros que vêm deste contexto de diversidade enriquecem a nossas fileiras denominacionais. Ao mesmo tempo, nossa igreja tem história, tanto cultural quanto teológica, e visão e missão que dão forma à comunidade”. É difícil, se não impossível, compreender hoje a nossa igreja sem saber algo dessa história, algo também de suas bases culturais e para este fim que oferecemos esses estudos.

E por que identidade reformada? É que a nossa igreja, IPB, se diz enraizada no movimento de Reforma do XVI, do ramo denominado calvinista ao que devemos, abaixo do Espírito Santo, a João Calvino e aos seus seguidores. A igreja egressa desse movimento foi formalmente chamada pela primeira vez de reformada, com o reconhecimento de divergência com a luterana, anglicana e, logicamente, com a católica-romana, além dos movimentos anabatistas, em 1571, por ocasião do Sínodo Nacional da Igreja Reformada da França quando se adotou naquele país a Confissão de Fé Gaulesa ou de La Rochele. Desde então a igreja reformada esteve presente ou até foi preponderante em boa parte da Europa Continental.

Na Escócia, a Igreja Reformada foi chamada de Presbiteriana em alusão ao seu sistema de governo, e depois passou a ser chamada simplesmente de Igreja da Escócia. Ocorreu que levas de protestantes da Inglaterra imigraram para os Estados Unidos quando estes ainda eram colônia britânica, na esteira da expedição do navio Mayflower. Dentre estes encontravam-se batistas, congregacionais e, principalmente presbiterianos, ou seja, reformados britânicos, irlandeses e escoceses. Esse grupo formou uma igreja que foi chamada de presbiteriana, e daí ficou uns reformados sendo chamados de reformados e outros de presbiterianos.

Um ponto interessante de discussão passou a ser o seguinte: seguiu os presbiterianos sendo reformados, ou entre estes e aqueles surgiram diferenças? Os que se denominam reformados são de fato reformados? Qual é a importância de ser reformado? Reformado é uma só ou tem vários modos de ser reformado?

De fato, os reformados de modo geral adotam outras confissões de fé da época da Reforma e os presbiterianos adotam a Confissão de Fé de Westminster. Diferenças doutrinárias não existem entre quem sinceramente adotam essa ou aquela Confissão de Fé (e existem muitas, Gaulesa, Escocesa, Helvética etc), há diferença entre os que se afastam dos ensinos das Confissões e por conseqüência das Escrituras e os que continuam com a Escritura e com as doutrinas bíblicas conforme expostas sistematicamente pelas confissões. E por isso formam comunidades verdadeiramente diferentes em seu modo de agir e de pensar.

E a questão é: será a IPB uma igreja reformada? Por herança sim. Na prática, porém, não temos sido de forma generalizada. É irônico constatarmos que, em alguns aspectos, conforme veremos no que constitui o ser reformado, há muitas igrejas co-irmãs nossas até pentecostais que são conscientemente mais reformadas do que algumas que ostentam em sua fachada o nome de presbiteriana. Então, quando há quem sequer são presbiterianos, apesar do nome, como enquadrá-los como presbiterianos e reformados? Verdade é que hoje ser (ou se dizer) presbiteriana não é garantia de ser reformada, sequer presbiteriana!

Em que pese essa confusão, há um anseio enorme por ser reformado. Por aprender a ser reformado. Por colocar em prática o ser reformado. Pois bem, nesse sentido, oferecemos estes estudos, na Escola Dominical da Igreja Presbiteriana Central, em São Sebastião/DF como uma forma de aprendermos o que é e como sermos reformados nos dias de hoje.


Prefácio

O que significa ser reformado? Muitos cristãos, inclusive membros de uma igreja que se diz reformada coma a IPB, podem questionar o valor, e mesmo o cabimento, de tal pergunta. Hoje em dia a ênfase do cristianismo recai mais sobre o que une os cristãos, e não sobre aquilo que os distingue.

De muitas maneiras, o impulso ao foco naquilo que os cristãos têm uns com os outros em comum é perfeitamente correto. Temos gasto tempo e energia demais naquilo que nos divide, em vez de no que nos une com outros cristãos. Jesus, no entanto, orou para que a igreja fosse uma (João 17:27). Paulo corrobora o fato de que o corpo de Cristo é um (1 Cor. 12:12; Efésios 4:4-6). Que declaração de missão e visão que qualquer Igreja poderia querer ou necessitar senão a grande chamada de Paulo a que “cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo” (Efésios 4:13)? Seria difícil acrescentar mais ênfase ao que une os cristãos uns com os outros.

Além disso, o inimigo da igreja cristã nos dias de hoje não são outros cristãos, sejam eles luteranos, metodistas, católicos romanos ou pentecostais. O inimigo número um da igreja é o mortal secularismo que ameaça todos os cristãos e contra quem devem estar juntos na fé e na ação comuns. Certamente, de muitas maneiras, devemos nos juntar com outros cristãos. As igrejas locais trabalham freqüentemente junto com outras igrejas em ações como banco de alimentos e outros programas assistenciais. As agências denominacionais têm freqüentemente ministérios mundiais de colaboração com outras igrejas e organizações religiosas.

É tão-somente nesta perspectiva que nos dispomos a estudar o que nos faz reformados em distinção de outros co-irmãos cristãos e construir a nossa própria declaração de identidade sobre o que isso significa.



O sotaque reformado

Todos os cristãos falam algum tipo de “sotaque”, um particular sotaque teológico. Não existe o que em si seja o puro idioma cristão. Imagine pessoas do Piauí, Minas Gerais e Rio Grande do Sul tentando falar com o mesmo sotaque. Não vai dar certo – não por que essas pessoas desagradam de tal prática, mas por que os seus linguajares naturalmente se moldam às localidades aonde residem. Pessoas que particularmente vivem juntas desenvolvem maneiras particulares de se expressar. A “cultura” é a acumulação destas particularidades, inclusive de experiências compartilhadas, de significados compartilhados, e de maneiras de vida compartilhadas. A particularidade da comunidade humana é realmente parte da diversidade maravilhosa da criação de Deus.

Do mesmo modo, os cristãos, de várias denominações, ainda que trabalhem e adorem juntos, desenvolvem maneiras particulares de expressão. Não existe um discurso cristão inteiramente puro, teologicamente neutro. Aqueles que individualmente tiveram experiências comuns de fé e de vida desenvolveram maneiras particulares de expressar sua fé e de adorar a Deus. Com certeza quando essas diferenças conduzem à oposição e alienação, então saudáveis diferenças se transformam em pecaminosas divisões. Mas de qualquer forma, os cristãos falarão sempre com os seus particulares sotaques teológicos,

Certamente, esta particularidade é também profundamente bíblica. A imagem de Primeira aos Corinthians 12 da igreja como um corpo destaca a unidade da igreja (um corpo) e a diversidade da igreja (as mãos e os pés e os olhos). O ensino deste grande capítulo está claro: A igreja biblicamente saudável tem uma profunda unidade e uma rica diversidade. Certamente, uma das verdades bíblicas profundas é a verdade da unidade e dessa multiplicidade. Deus trino mesmo é um e três.

Não há nada em si pecaminosa ou divisionista quando os reformados ou outros grupos de cristãos tentam compreender e desenvolver seus próprios sotaques teológicos. No caso, tal auto-compreensão, enquanto fortalece as mãos ou pés ou olhos particulares do corpo, fortalecem o corpo inteiro em seu testemunho unido ao mundo.

Algumas pessoas às vezes utilizam o termo reformado ou distintamente reformado como um sotaque teológico falado somente por algumas poucas pessoas, e como se fosse um sotaque que tenha pouco em comum com a ampla igreja cristã. Não há nada que seja tão falso.

O sotaque reformado é muito maior do que a IPB com sua história particular. Prevalece em países ao redor do mundo, tais como Hungria, Coréia, Indonésia, Escócia e Madagascar. O Catecismo de Heidelberg, somente uma de muitas confissões reformadas, foi traduzido para trinta línguas.

Além disso, o cristianismo reformado tem muito em comum com a igreja cristã universal. O cristianismo reformado está fortemente escorado na ampla ortodoxia cristã que remonta à igreja do Novo Testamento. A parte reformada dos cristãos com todos os cristãos restantes compartilham uma fé comum no Deus trino que criou os céus e a terra, cuja segunda pessoa encarnou em Jesus de Nazaré, e cuja terceira pessoa tem revestido a igreja pelo divino Espírito Santo. Os reformados, juntos com os cristãos de todos os tempos e lugares, afirmam o propósito salvífico de Deus de reunir todas as coisas em Jesus Cristo, a missão da igreja de proclamar estas boas novas, e a esperança do retorno de Cristo em gloria para reinar nos novos céus e na nova terra. Os reformados confessam sua fé nas palavras credo dos apóstolos junto com a igreja universal.

Estes estudos simplesmente busca articular alguns dos sotaques particulares da tradição reformada, mas da maneira em que nos seja acessível. No caso, uma expressão mais inclusiva da perspectiva reformada o que não é somente desejável, mas essencial – já que a perspectiva reformada existe para fornecer fontes conducentes à unidade e ao objetivo final para a IPB.


A árvore genealógica
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Um modo de explicar a tradição reformada é situá-la como família de igrejas na árvore genealógica mais ampla da igreja cristã. O quadro seguinte mostra como a igreja cristã se desenvolveu no decorrer dos séculos.

A Igreja Cristã esteve unida até o Século XI, quando a igreja ocidental (a Igreja Católica Romana) separou-se da Oriental (a Igreja Ortodoxa). No Século XVI, novos ventos do Espírito sopraram sobre a Igreja Católica Romana, e a Reforma Protestante teve lugar. Os cristãos re-descobriram a mensagem central da Bíblia de que somos salvos somente pela graça mediante a fé. A partir da Reforma Protestante surgiram quatro ramos principais – Anabatista, Reformado, Luterano e Anglicano. A ordem em que estes quatro ramos são listados da esquerda para a direita é significativa.

Quanto mais para esquerda é o afastamento, mais radical é a ruptura em face da Igreja Católica Romana. Em termos de formalidade na adoração, este quadro se move do mais (lado direito) para o menos formal (lado esquerdo); em relação aos Sacramentos, de mais para menos central na adoração; quanto ao governo da igreja, de mais para menos hierárquico. Nesta família de igrejas centralizadas na Europa, a perspectiva reformada representa freqüentemente um amplo meio termo. Nesse sentido, os reformados procuram se situar na árvore da família protestante, pretendendo pensar em termos de perspectiva reformada como se a IPB se encontrasse num meio termo entre o liberalismo e o fundamentalismo dos dias presentes. Apesar disso, os reformados compartilham com o fundamentalismo de uma fé indiscutível no subrenaturalismo e com o liberalismo de um desejo de que a fé cristã seja culturalmente engajada.

IGREJA CRISTÃ - PRINCIPAIS RAMOS
Século I ao XI Igreja Cristã


Século XI Católico Ocidental Ortodoxo Oriental
Século XVI Protestante Católico Romano Ortodoxo Oriental


Nota: A seguir, quando mais distante à esquerda, mais radical é a ruptura perante a Igreja Católica Romana.


Século XVI Igrejas Protestantes
Século XVI Anabatistas Reformada Luterana Anglicana
Século XVII Quakers Puritanos
Século XVIII Metodistas
Século XVIII Igrejas livres
Século XX Pentecostais




Mas à tradição reformada, da qual a IPB faz parte, não cabe realmente o continuum entre estes dois extremos norte-americanos. A maioria dos reformados distingue-se fortemente do liberalismo, em virtude da sua visão inadequada de inspiração e autoridade da Escritura, seu anti-sobrenaturalismo, e seu descuido em falar acerca do pecado pessoal e da necessidade de arrependimento e fé em Cristo para a salvação. Além disso, os reformados também se distinguem fortemente do fundamentalismo, por causa do seu anti-intelectualismo e da sua suspeição em relação à ciência e educação de que decorre a falta da ênfase sobre a doutrina da criação; sua falta do engajamento cultural; e sua tendência em enfatizar a domínio de Cristo no mundo vindouro e não neste, tendência que emerge a partir de uma compreensão dispensacionalista da história pela qual se entende que o reino de Deus é ainda apenas uma realidade futura.

Tradicionalmente, a perspectiva reformada representou uma terceira via completamente distinta do liberalismo e do fundamentalismo, o que não se define nos termos do atual embate norte-americano. Os reformados são “protestantes confessantes” cuja postura não é primeiramente definida tão polemicamente (em confronto com os liberais ou com os fundamentalistas), mas historicamente por uma tradição teológica que remonta a João Calvino e aos Reformadores e a Santo Agostinho.

Uma maneira útil de localizar o ramo reformado na árvore da família norte-americana está no relacionamento com os evangélicos ou evangelicals. O termo evangélico é usado diferentemente por pessoas diferentes. Quando os luteranos evangélicos usam o termo evangélico, querem se referir a uma teologia ortodoxa e cristocêntrica. Para eles é completamente possível ser parte de uma denominação protestante histórica e ser evangélico e não sentir nenhuma tensão entre ambas as realidades. Outros usam os termos evangélicos e fundamentalistas como sinônimos, o que tem significados completamente diferentes.

O termo evangélico é mais freqüentemente usado pelos que desejam se distinguir do fundamentalismo e freqüentemente por muitas das mesmas razões pelos reformados que desejam se distinguir também do mesmo fundamentalismo.

Sobretudo, freqüentemente mesmo os evangélicos vêem significativa sobreposição nos termos evangélicos e reformados. Instituições tais como Seminário Fuller, Seminário Gordon Conwell, Wheaton College, a Revista Christianity Taday e a Comunidade Cristã Universitária – ABU, no Brasil, e pessoas como John Stott, J.I. Packer e Chuck Colson descrevem-se como evangélicos. O que também não deixa de ser verdade mesmo que não pudessem ser chamados reformados confessionalmente ou denominacionamete, ainda assim se considerariam reformados teologicamente em muito de seus ensinos. Da mesma maneira, muitos reformados identificam-se positivamente (e corretamente) como evangélicos.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ô Anamim!

Que bênção te encontrar na blogosfera! Espero que seus textos loooongos (deixou careca a rodinha do meu mouse) sejam frenquentes!

Em Cristo,

Clóvis

Anamim Lopes Silva disse...

Tudo bem. Terá textos looongos e também bem curtinhos... I promise...